USP tem eleição para reitor e mira desafios da diversidade

Numa eleição para reitor atípica, em meio à pandemia e com só dois candidatos, a grande promessa é uma Universidade de São Paulo (USP) mais inclusiva e diversa. O físico Antonio Carlos Hernandes e o médico Carlos Gilberto Carlotti Junior disputam a gestão da mais conceituada instituição de ensino brasileira. Este ano, pela primeira vez em décadas, a maioria de seus novos alunos veio de escolas públicas. O desafio agora é garantir que eles tenham as mesmas oportunidades que o restante dos estudantes da USP.

A votação será no dia 25 de novembro, totalmente online. Como sempre, o reitor será escolhido por um colegiado com cerca de 2 mil pessoas do Conselho Universitário e de outros que representam as unidades. Pela regra, os mais votados formam uma lista, com até três nomes, para ser enviada ao governador João Doria (PSDB), que dá a palavra final.

Professores ouvidos pelo Estadão acreditam que a pandemia impediu maior mobilização em torno de outros nomes. Os dois candidatos são da atual gestão do reitor Vahan Agopyan; Hernandes é o vice-reitor e Carlotti, o pró-reitor de pós-graduação. “O grande desafio para eles é se diferenciar sem chutar contra o próprio gol”, diz o presidente da comissão eleitoral e diretor da Faculdade de Direito, Floriano de Azevedo Marques.

Com 60 mil alunos de graduação e 5,3 mil professores, a USP vive hoje tempos de relativa tranquilidade financeira pelo que foi economizado durante a pandemia. Quadro diferente dos últimos anos, em que a folha de pagamento passava de 100% do orçamento.

Os candidatos falam em repor salários, contratar docentes e servidores. E propõem criar órgãos especiais para tratar de inclusão e diversidade. Prometem aumento do auxílio permanência, aulas de idiomas e moradia para cotistas.

E os dois ainda têm em comum a preocupação com a comunicação e a imagem da USP, em um contexto de ataques à universidade pública e corte de verbas para a ciência pela gestão Jair Bolsonaro. “A pandemia nos deu essa oportunidade de sair dos muros. Não adianta ficar achando que somos bons e os outros têm de agradecer, sem saber o que a gente faz”, diz Marques.

CARLOTTI: ‘NÓS TEMOS DE MUDAR PARA NÃO FICARMOS DEFASADOS’

Apesar de não se declarar como oposição e fazer parte da atual gestão, o médico Carlos Gilberto Carlotti Junior, de 61 anos, diz em seu programa que “é tempo de mudar”. O texto menciona ainda “decisões puramente administrativas” e “burocratização” como problemas a serem combatidos. “Minha disposição é de fazer uma administração com maior diálogo e interação da comunidade”, disse Carlotti ao Estadão.

O neurocirurgião foi diretor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, para onde mudou com um ano de idade por causa do trabalho do pai, também médico. Os dois filhos e a mulher estudaram na USP – ela é professora da instituição como ele.

Na sua gestão como pró-reitor de pós-graduação, cargo em que esteve até este mês e teve de deixar por causa da candidatura, ficou conhecido por permitir a prorrogação de prazos na entrega dos trabalhos durante a pandemia e por criar bolsas para alunas mães.

“Temos de tratar a inclusão e permanência com nossa experiência de ciência, quantificar o problema para propor solução, senão corremos o risco de aumento de evasão, problemas psicológicos.” Para isso, propõe a criação de uma pró-reitoria que unificaria políticas inclusivas sociais, étnico-raciais, de gênero, permanência estudantil e saúde integral.

O programa da sua candidatura, chamado de USP Viva, ainda quer que haja inscrição automática de estudantes de escolas públicas no vestibular da Fuvest. E, depois de aprovados, a USP passaria a oferecer cursos de línguas e programas de leitura e escrita acadêmicas em todas as unidades.

Se for eleito, Carlotti afirma que vai promover em 2022 uma grande discussão sobre currículos das graduações. “O mundo do trabalho está mudando muito rapidamente, o perfil que é necessário para o graduando muda, se não fizermos mudanças certamente vamos ficar defasados.”

Ele também acha que é possível incorporar mudanças que vieram com a pandemia, como as ferramentas de internet e a melhor comunicação entre alunos e professores.

A candidata a vice-reitora na chapa de Carlotti é a professora da Sociologia Maria Arminda Arruda, ex-diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Os dois candidatos escolheram mulheres para o cargo de vice. “A universidade é pouco amigável para as mulheres”, diz. Seu programa também fala em “criar políticas que permitam ampliar a presença” delas em várias instâncias acadêmicas, sem muitos detalhes.

“Estamos em um momento muito ruim para a ciência, difícil na história, mesmo com a vacina sendo desenvolvida tão rapidamente”, diz ele, com relação à gestão Bolsonaro. “Temos de ser mais incisivos contra esses ataques, corte de verbas.” Para tentar ganhar a guerra da desinformação, Carlotti ainda propõe reestruturar a comunicação da USP. “Chega de posturas isolacionistas. Chega de autoritarismos gradeados”, conclui o texto inicial do site da candidatura.

HERNANDES: ‘A UNIVERSIDADE PRECISA DESCER PARA O ASFALTO’

O físico Antonio Carlos Hernandes, de 62 anos, se emociona ao falar ao Estadão sobre como a Universidade de São Paulo (USP) pode ajudar a diminuir as desigualdades. Filho de um pedreiro de Monte Aprazível, no interior do Estado, ele conta que foi o primeiro a entrar em uma universidade pública e acabou mudando a história de boa parte da família. “Precisamos desmistificar, mostrar que a USP não é inatingível, a universidade precisa descer para o asfalto”, diz.

Como vice-reitor da atual gestão, cargo que teve de deixar para se candidatar, ele é o responsável por um programa que incentiva estudantes de escolas públicas a concorrer a vagas na USP, criado em 2017. Hernandes é também um grande defensor das cotas étnico-raciais e sociais que existem hoje, depois de anos de polêmicas e discussões para serem aprovadas na instituição.

Se for eleito, ele pretende criar o Conselho Especial de Inclusão e Diversidade, que teria representantes da sociedade civil em núcleos temáticos étnico-raciais, de gênero, indígenas, LGBTQIA+ e de acessibilidade. “É fundamental que tenhamos as pessoas externas, para ajudar a USP nessas questões”, afirma.

Com o aprendizado da pandemia de que é possível dar cursos remotos e não perder qualidade, diz, ele ainda promete criar cursos rápidos, gratuitos e online para a população do País todo, com professores da USP. “Não conseguimos incluir todos como alunos formais, mas podemos ter um milhão de pessoas que vão receber informações da USP, isso cria um sentimento de pertencimento pelas instituições públicas.”

A USP recentemente teve de responder sobre seus gastos a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa e enfrentou o risco de perder verbas com um ajuste fiscal do governo estadual durante a pandemia. Além disso, sofre com os cortes de recursos para a ciência feitos pelo governo Bolsonaro.

“Quando se tira esse dinheiro, tira-se do progresso que poderia ter sido feito em diferentes áreas. A população precisa se colocar contra isso”, afirma. Para ele, a USP “sempre se comunicou mal” e isso precisa mudar.

Sua candidata a vice é a professora da Faculdade de Odontologia, em Bauru, Maria Aparecida de Andrade Moreira Machado. Assim como seu concorrente, Hernandes diz que é preciso melhorar a condição das mulheres na universidade. “Precisamos ter uma política para que ela possa fazer sua carreira acadêmica e seguir com a formação da sua família”, afirma.

Ele próprio diz que presencia as dificuldades com a mulher, professora universitária, com quem tem uma filha de 5 anos, além de outros dois, adultos, do primeiro casamento. “Somos todos USP porque reconhecemos a diversidade como um valor”, diz seu programa de governo intitulado justamente Somos todos USP.

Hernandes deixa claro que, apesar do seu opositor também fazer parte da atual reitoria, ele é o candidato da continuidade. “Eu sou da gestão, não tenho dúvidas disso.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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