Sob Bolsonaro, benefícios a militares e policiais vão custar R$ 27,7 bi até 2022

Desde que chegou ao governo, o presidente Jair Bolsonaro tomou uma série de decisões em benefício de militares e servidores da segurança pública, como policiais e bombeiros, que custarão pelo menos R$ 27,7 bilhões até o fim do seu mandato, em 2022. Num momento de crise nas contas públicas, o segmento foi agraciado com aumentos de salários, cargos comissionados no Executivo e até mesmo um programa habitacional próprio, anunciado no começo desta semana.

As categorias fazem parte da base mais fiel do presidente, ao lado de evangélicos e dos ruralistas. Pesquisa realizada pelo Fórum de Segurança Pública apontou que 27% dos policiais militares do País são alinhados ao bolsonarismo.

Não é à toa

No ano passado, enquanto a maioria dos servidores teve seus salários congelados por causa dos gastos com a pandemia, o governo reajustou os valores pagos a policiais militares, civis e bombeiros no Distrito Federal, no Amapá, em Roraima e em Rondônia – uma benesse com custo estimado em R$ 1,64 bilhão até 2022.

Já o programa Habite Seguro, linha para o financiamento de casas com juros mais baixos voltada exclusivamente para policiais e bombeiros lançado na segunda-feira, deverá custar R$ 183,9 milhões até o fim do atual mandato de Bolsonaro. Por fim, o presidente também decidiu criar novos cargos comissionados na estrutura da Polícia Federal, com custo de R$ 23,5 milhões até o fim de 2022.

As benesses para as Forças Armadas foram ainda maiores. Só o aumento de salários e adicionais para os militares custará ao menos R$ 21,16 bilhões até o fim de 2022, segundo estimativa do próprio Executivo. A pasta da Defesa viveu bons tempos em 2019, antes da pandemia de covid-19: o ministério teve um aumento de R$ 4,79 bilhões na parte do seu orçamento que não está ligada a gastos de pessoal, em relação a 2018.

Os R$ 27,7 bilhões despendidos em favor de policiais e militares daria para comprar cerca de 526,6 milhões de doses da vacina contra covid-19 da AstraZeneca, por exemplo – mais do que suficiente para fornecer duas doses do imunizante para cada um dos brasileiros. Se revertido para a educação, poderia ser usado para construir 3,3 mil escolas públicas de ensino básico, no padrão do Distrito Federal; ou para comprar mais de 180,4 mil ambulâncias para o Sistema Único de Saúde (SUS). Também seria mais que suficiente para pagar todo o custo do programa Bolsa Família ao longo de 2021, quando o principal programa social do País consumirá R$ 26,5 bilhões.

Cargos

Um outro efeito da chegada de Bolsonaro ao governo foi colocar os militares no centro do poder. Em julho, um levantamento do Tribunal de Contas da União identificou a presença de 6.157 homens das Forças, da ativa e da reserva, em postos civis. O número é mais que o dobro do existente na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Em junho, a Presidência da República editou um decreto liberando a permanência dos militares nesses cargos por tempo indefinido; e em maio, outra mudança nas regras permitiu que combatentes da reserva acumulassem seus rendimentos com o dos cargos civis que ocupam. Esta última medida beneficiou o próprio Bolsonaro e alguns de seus ministros.

A mudança de maio ficou conhecida como “portaria do teto duplo”, por permitir ganhos acima do teto constitucional, hoje fixado em R$ 39,2 mil. Pela nova regra, este limite considera de forma separada os ganhos de militares inativos e os salários que recebem ao ocupar seus cargos civis – ou seja, o limite passa a ser de R$ 78,5 mil. Com a mudança, o próprio Bolsonaro teve um aumento de cerca de 6% em seu vencimento mensal bruto: de R$ 39,3 mil para R$ 41,6 mil. Já o vice-presidente Hamilton Mourão recebeu uma bolada: de R$ 39,3 mil para 63,5 mil mensais. O general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência, passou a receber R$ 66,4 mil, e o titular da Defesa, Walter Braga Netto, viu seus rendimentos chegarem a R$ 62 mil mensais.

“Algumas categorias, como a dos militares, não passaram pelo ajuste fiscal que outras passaram. Por exemplo: o agregado dos servidores, com exceção dos militares, não teve reajuste nesses últimos anos; enquanto os militares tiveram reajuste garantido por lei, mesmo num contexto de déficit expressivo e de dificuldade para cumprir o teto de gastos. E por outro lado, o orçamento dessas áreas foi favorecido, como é o caso do orçamento da Defesa”, disse o economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente, do Senado Federal, e colunista do Estadão. “Isso (se deu) num contexto de crise fiscal, em que outras pressões por despesas foram contingenciadas, como na área da educação; no Censo Demográfico (realizado pelo IBGE); e no próprio investimento, que está num dos patamares mais baixos da série histórica”, afirmou Salto.

Na segunda-feira, ao lançar o programa Habite Seguro, Bolsonaro aproveitou para fazer um aceno à chamada “bancada da bala” do Congresso, que compareceu ao lançamento do programa no Palácio do Planalto. “Pertenci a essa bancada durante muito tempo. E é inspirado em vocês, numa ideia que veio também de vocês, para a gente investir nesse setor”, disse ele.

Carreira

O cientista político Bruno Carazza cita o fato de Bolsonaro ter passado a maior parte de sua carreira no Congresso defendendo pautas corporativas dos militares, mesmo nicho que foi depois ocupado por seus filhos com carreira política. “A família teve nos militares e nos policiais a sua principal base eleitoral, ao longo da carreira toda. Os militares concederam aos Bolsonaros essa longa carreira, então era de se esperar que ele contemplasse esse grupo, ao chegar ao poder”, disse Carazza, que é professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral.

Sem partido ou grupo político consolidado, afirmou Carazza, Bolsonaro buscou militares e policiais para preencher postos estratégicos no governo – o que, em retorno, aumentou a influência destes sobre as decisões do Executivo. “A literatura existente sobre burocracias na ciência política mostra que estes cargos de elite têm uma ascendência muito grande sobre os tomadores de decisão.”

Carazza afirmou ainda que os acenos de Bolsonaro para os militares e policiais – principalmente os de baixa patente – podem ser importantes para 2022: tanto por causa dos votos do grupo, quanto num eventual acirramento do quadro político. “É clara a tentativa de Bolsonaro de obter apoio para qualquer circunstância que possa aparecer no ano que vem”, disse ele.

A relação de proximidade do presidente com os militares e, principalmente, com os policiais, ficou clara nas manifestações pró-governo do 7 de Setembro. Três dias antes dos protestos, Bolsonaro defendeu a participação dos policiais militares nos eventos e criticou governadores por não permitirem a ida aos atos.

O Ministério da Defesa foi procurado por e-mail e telefone desde a quarta-feira, mas não respondeu. O Palácio do Planalto também foi consultado, mas também não se manifestou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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