‘Se fossem empresas, 18 clubes tenderiam à recuperação judicial’, diz consultor
Pelas regras da lei, os clubes que se transformarem em Sociedades Anônimas de Futebol (SAF) podem pedir recuperação judicial, com prazo de seis anos para pagamento de credores. Também podem aderir ao regime de centralização de execuções, que reúne os processos de dívida em apenas um juízo e recolhe parte da receita da SAF para pagá-los.
Dos 40 clubes das séries A e B do campeonato brasileiro, de 14 a 18 vivem uma situação financeira típica de empresas que caminham para a recuperação judicial, segundo estimativa de Cesar Grafietti, consultor do Itaú BBA para finanças do esporte. São clubes com relação entre dívida e faturamento elevada, que podem chegar a cinco vezes.
“Para um clube ser relevante, ele gasta de 80% a 90% da receita com salários e estrutura do futebol, fora gastos com a parte social, quando ela existe. Sobre muito pouco para pagamento de dívida, de 10% a 15%. Quando a relação do endividamento com a receita é muito alta, o recurso que sobra muitas vezes mal o serviço da dívida”, afirma Grafietti.
O especialista prefere não abrir os nomes dos clubes. Mas não é preciso quebrar a cabeça. O Botafogo teve receita de R$ 156,5 milhões em 2020, com dívida de R$ 869,3 milhões. O Corinthians faturou R$ 474,3 milhões e tem dívida de R$ 956,9 milhões. Segundo Grafietti, a questão é que a receita dos clubes de futebol pode ser bastante instável.
“Um clube pode vender dois ou três atletas, levantar R$ 200 milhões, e resolver as questões financeiras no curto prazo. Isso acontece. E os administradores dos clubes acabam contando com esse imponderável ou com a premiação grande de algumas competições. Aliás, esse tipo de movimentação torna mais difícil de organizar”, diz o consultor do Itaú BBA.
Luísa Carvalho, advogada do escritório J Amaral Advogados, acredita que os clubes com problemas financeiros devem começar a aderir ao regime de sociedade anônima a partir do ano que vem. “Como a lei é recente, os clubes precisarão de tempo para avaliar”, acredita a advogada, lembrando que até aqui o Cruzeiro, que vive uma crise financeira, aprovou em seu conselho a transformação em sociedade anônima.
Para especialistas, os clubes sem “corda no pescoço” tendem a ser pouco atraídos para o modelo clube-empresa por uma questão tributária. Ao sancionar a lei, Bolsonaro vetou dois artigos que criavam um regime tributário específico do futebol, mecanismo para reduzir o valor dos impostos pagos pelo clube que se transformasse em empresas.
O texto integral aprovado em junho pelo Senado e em julho pela Câmara previa que os clubes-empresas pagariam 5% de impostos sobre as receitas mensais, apuradas pelo regime de caixa. A regra não alcançaria as transferências de jogadores. A partir do sexto ano, a alíquota cairia para 4% das receitas mensais, mas alcançaria ganhos com transferências.
Hoje, a grande maioria dos clubes funciona como associação sem fins lucrativos, o que confere diversas isenções de impostos. Segundo Grafietti, os clubes destinam, em média, 3% da receita a tributos. Empresas pagam 34% de impostos, sendo 25% de imposto de renda pessoas jurídica (IRPJ) e 9% de contribuição social sobre lucro líquido.
Leonardo Ugatti, sócio da A&P Advogados, diz que existe um movimento para derrubar os vetos do regime tributário no Congresso. Para isso, seria necessária maioria qualificada na Câmara e no Senado. “Não acho que a ausência do regime de tributação inviabilize a transformação de clubes em sociedades anônimas, mas torna difícil convencê-los”, afirma Ugatti.
Para clubes saudáveis, uma das vantagens de virar empresas seria a maior facilidade de captar recursos no mercado financeiro. Trata-se de um movimento que os clubes europeus fizeram há muito tempo. Na Inglaterra, o Chelsea pertence ao bilionário russo Roman Abramovich. Na França, o Paris Saint Germain é controlado pela Qatar Investment Authority (QIA), da família real do Catar.
Especialistas lembram que a possibilidade de um clube virar empresa já existia no Brasil. A primeira lei que autorizava a existência de clubes-empresas foi a chamada Lei Zico, de 1993. Cinco anos depois, a chamada Lei Pelé revogou a antiga lei e tornou obrigatória essa mudança. Posteriormente, em 2000, uma lei tornou novamente facultativa a transformação. Porém, conseguiu atrair poucos clubes.
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