Saúde mental x esporte: a importância da psicologia no acompanhamento de atletas em formação
É preciso saber ganhar e saber perder. A tensão de uma competição, os desafios em enfrentar o adversário, o entregar tudo em uma partida exige muitos dos atletas profissionais. Esse ambiente é ainda mais desafiador quando envolve crianças e adolescentes.
Nomes conhecidos de diversas modalidades esportivas já evidenciaram os reflexos que a pressão de ser campeão pode causar, isso a ponto de abandonarem competições e até mesmo o esporte. O esporte não acontece sozinho e o atleta deve contar com uma rede de apoio multidisciplinar sem esquecer da saúde mental.
“O trabalho do psicólogo do esporte consiste num treinamento mental. Este engloba o desenvolvimento de diversas habilidades, por exemplo: estabelecimento de metas, desenvolvimento da autoconfiança e da percepção de capacidade, melhora na concentração, visualização e imaginação, controle da ativação e da ansiedade, rotinas de preparação emocional para a competição etc.”, pontua a psicóloga, Laura Carolina Sisti.
A profissional explica que esse treinamento pode ser realizado tanto de forma individual quanto em grupo, em um ambiente clínico (psicoterapia voltada ao desenvolvimento esportivo) ou diretamente no campo de treinamento. “Esse trabalho de orientação e intervenção é importante principalmente com crianças e adolescentes, pois é nessa fase que suas crenças mais centrais sobre ela mesma, os outros e o mundo são construídas. O autoconceito positivo é importantíssimo para a motivação da criança em obter sucesso”.
PRESSÃO NO JOGO – A psicologia do esporte ajuda o atleta criança/adolescente a lidar com a pressão de competir. Laura pontua que pouco tempo antes da competição, o atleta, tanto adulto quanto criança, encontra-se geralmente em um estado de estresse psíquico. Nesse estado aparece o medo e a preocupação, esses temores se manifestam tanto em processos cognitivos (pensamentos de preocupação que geram incapacidade de concentração), mas também podem produzir reações fisiológicas (taquicardia, tremor, falta de ar, dor de estômago, inquietação etc.) e emocionais (ansiedade, medo, mal humor, entre outros).
“Por outro lado, o estado ótimo de ativação pré-competição é caracterizado pelas seguintes reações: motivação positiva, autoconfiança, otimismo, concentração ótima e alta capacidade de controle psicomotor. Esse estado ótimo pode ser conquistado com experiência de campo concomitante com o treinamento de um psicólogo do esporte”, destaca.
IMPORTÂNCIA DA PREPARAÇÃO – O psicólogo do esporte, idealmente, realiza um trabalho antes, durante e após as situações de competição. “Ou seja, é mais valioso que a criança vá para uma competição já preparada e munida de estratégias comportamentais e cognitivas que a auxiliem a conter a ansiedade. Essas estratégias psicológicas contêm principalmente o treino de: respiração e relaxamento (reduz a ativação, gerando um comportamento mais relaxado e menos ansioso), autorregulação emocional (auxilia o atleta a fazer uma avaliação do ambiente pautada na realidade, ou seja, a não sucumbir em pensamentos de preocupações irreais), e atenção plena/mindfulness (possibilita um ótimo estado de concentração no momento presente)”.
Todo esse trabalho auxilia o atleta diante das adversidades das competições esportivas. Laura aponta que uma experiência de êxito real acontece quando o rendimento esperado foi alcançado ou até superado, independente do resultado da partida.
“A experiência de fracasso acontece quando o resultado obtido é menor que o resultado esperado. Isso precisa ser ensinado à criança, caso contrário, seu foco estará no resultado da partida (motivação extrínseca), e não no próprio desenvolvimento enquanto atleta (motivação intrínseca). E isso pode ser perigoso, pois as reações do esportista após uma derrota ou vitória dependerão do valor subjetivo que ele atribui aos resultados. Existe uma frase famosa na psicologia do esporte, que diz mais ou menos o seguinte: ‘uma vitória não significa necessariamente uma experiência de êxito e uma derrota não é, em si, uma experiência de fracasso’”, analisa.
ESTAR FOCADO – Na avaliação da profissional, se um esportista tem o foco no próprio desenvolvimento, uma derrota significará, em geral, que ele ainda não está desenvolvido o quanto gostaria, isso deve motivá-lo a treinar mais. No entanto, se o foco estiver no resultado da partida, uma derrota poderá significar que ele não receberá as recompensas esperadas (aplausos, reforço positivo dos pais e amigos, bajulação, entre outros), e isso gerará descontentamento e perda de motivação.
“A psicologia do esporte atua, nesse caso, acompanhando o pensamento da criança sobre o que ela espera da competição, e orientando no sentido identificá-la ao próprio desenvolvimento, ao processo agradável que é vivenciar o esporte, e a distanciando da importância dada apenas ao resultado. Mas, é claro, mesmo tendo uma orientação para o desenvolvimento, uma derrota pode causar frustração. Então, se torna importante acompanhar essa criança para que essa frustração não se torne permanente e possa produzir um fortalecimento da própria personalidade”, acrescenta.
ESTIMULAR O PROGRESSO – As experiências de vitória normalmente atuam como catalisadores, estimulando o atleta a continuar treinando. A psicóloga aponta que é importante que isso seja reforçado pelo treinador e pelo psicólogo, porque assim o atleta reconhece a interdependência entre dedicação no treino e sucesso na competição. No entanto, em alguns casos, o êxito pode produzir também resultados não tão positivos, como arrogância, preguiça, subestimação do adversário e autoestima exagerada.
“O treinador e o profissional da psicologia do esporte devem estar atentos nessa mudança de percepção e comportamento na criança/adolescente. Caso essa mudança realmente aconteça, é importante reforçar a orientação acerca da motivação no próprio desenvolvimento enquanto esportista, e não tanto no resultado da competição ou no rendimento de terceiros. Parabenizar pela vitória é importante, e reforçar, de forma gentil, os pontos de necessidade de melhoria também”, destaca.
TRABALHO CONJUNTO – A formação de um atleta acontece com a ação conjunta de uma equipe multidisciplinar. O treinador e personal trainer, Fábio Bento, salienta em importância da realização do trabalho desenvolvido a partir da parceria entre os segmentos profissionais em benefício do atleta.
“Um atleta em formação precisa estar bem psicologicamente. Isso gera motivação e uma atleta motivado é aquele que chega antes, que aquece sozinho, que tem seu protocolo de aquecimento e prevenção de lesão, que tem rotina antes dos jogos e treinos, que conversa com o treinador, que é focado, aceita feedback, que treina sozinho em casa”, salienta.
O profissional acrescenta que é preciso saber perder e lidar com as frustrações. “É aquele que perde o ponto, mas logo esquece e vai buscar o próximo ponto. Quando ele está alinhado e com o adequado acompanhamento na área da psicologia do esporte vai saber lidar com as emoções, com as conquistas, com as derrotas, vai estar mais preparado”, conclui.
Da Redação
TOLEDO