Radiação ultravioleta é capaz de controlar a podridão azeda em laranja-lima
A radiação ultravioleta C (UVC), aplicada em doses adequadas, é capaz de controlar com eficiência a podridão azeda da laranja-lima. Causada por um fungo, essa doença é a segunda que mais acomete a fruta após a colheita. A descoberta do novo tratamento veio de estudos conduzidos pela Embrapa Meio Ambiente (SP) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em uma pesquisa que visou identificar o fungo causador do problema.
O tratamento por UVC apresentou a vantagem de resultar em frutas com maior firmeza, não alterar as suas características físico-químicas, e retardar o processo de amadurecimento.
A partir do isolamento do microrganismo, os cientistas obtiveram as suas identificações morfológica e molecular (análise do DNA). Nesses trabalhos, eles confirmaram que o patógeno é o Geotrichum citri-aurantii. “É importante essa identificação, pois fornece informações importantes sobre as características do patógeno, auxiliando a propor o melhor método para controle da doença”, esclarece a engenheira ambiental Adriane Maria da Silva, que realizou a pesquisa em seu mestrado pela Unicamp.
Os fungos da laranja
Conforme o pesquisador da Embrapa Daniel Terao, coorientador de Silva, os fungos são os maiores causadores de doenças pós-colheita em frutas cítricas. Isso ocorre porque o pH ácido dessas frutas proporciona um ambiente propício para o desenvolvimento do microrganismo.
O principal local de infecção são os ferimentos e aberturas naturais na epiderme da fruta. Nessas brechas costumam se instalar, especialmente, o bolor verde, o bolor azul e a podridão azeda. Como agravante, os fungicidas utilizados (tiabendazol e imazalil) não têm apresentado controle eficaz específico da podridão azeda, o que deixa essa doença sem um produto para controlá-la.
Além disso, os cientistas alertam que o uso frequente dessas substâncias químicas pode causar impactos negativos à saúde humana e ao meio ambiente, além de contribuir para o desenvolvimento de patógenos resistentes às moléculas usadas. “Portanto, é crucial estimular o desenvolvimento e a comercialização de tecnologias alternativas e sustentáveis ao uso de agroquímicos”, defende o pesquisador.
Para Terao, a descoberta abre caminho ao desenvolvimento de métodos de controle alternativos mais sustentáveis por não fazerem uso de químicos. “Isso também torna a fruta nacional apta a ser exportada para mercados internacionais que restringem o uso de químicos, como o europeu, por exemplo”, ressalta Terao.
Tratamentos UVC e hidrotérmico
Silva estudou dois métodos de controle da podridão azeda: o tratamento hidrotérmico e a exposição à radiação UVC. Ela verificou nos estudos in vitro que os esporos de G. citri-aurantii são termorresistentes e que a inibição de atividades importantes deles ocorre a partir de 62°C. Por outro lado, os estudos do efeito da radiação UVC revelaram que a inibição na germinação de esporos ocorre em dose muito baixa, e chega a ser completamente inibida na dose adequada, demonstrando serem bastante sensíveis à radiação.
Na avaliação do efeito da temperatura combinada com radiação UVC na germinação de esporos, o nível de exposição térmica por 35 segundos a 62°C, combinado com a dose adequada em radiação UVC, inibiu completamente a germinação de esporos de G. citri-aurantii.
Em estudos anteriores, Terao constatou que os tratamentos combinados envolvendo várias tecnologias podem proporcionar uma inibição sinérgica de microrganismos. “Observei que, combinando o tratamento hidrotérmico e a radiação UVC, houve um melhor controle do bolor verde em laranja pera”, relata.
No entanto, no recente estudo in vivo, para avaliar o efeito individual e combinado da temperatura e da radiação UVC aplicados diretamente na fruta, constatou-se que o tratamento hidrotérmico não controlou adequadamente a severidade da podridão azeda causada por G. citri-aurantii, por ser um fungo termorresistente, conforme demonstraram os estudos in vitro; e que temperaturas acima de 70°C aumentaram a severidade da doença, além de causar escaldadura na epiderme da fruta.
Por outro lado, a irradiação das frutas aplicada isoladamente apresentou eficiência no controle da podridão azeda superior ao tratamento hidrotérmico aplicado isoladamente ou combinado com a radiação. De acordo com os resultados, a aplicação da radiação foi eficiente, apresentando controle da doença.
Conheça a podridão azeda da laranja
A podridão azeda foi detectada pela primeira vez na Califórnia, Estados Unidos, em 1976, e a sua incidência tem aumentado nos últimos anos, principalmente em estações chuvosas.Os maiores prejuízos têm sido observados em remessas de frutas na exportação, uma vez que os importadores, além de rejeitarem o produto, cobram do produtor os custos do transporte e da incineração da carga. O incidente ainda repercute negativamente na imagem e credibilidade do produtor.Nos frutos ocorrem, inicialmente, lesões umedecidas, brilhantes e de coloração marrom-clara. Em seguida, enzimas extracelulares produzidas pelo fungo degradam a casca e as vesículas de suco, formando, no local, uma massa aquosa. Sob condições de elevada temperatura e umidade relativa do ar, forma-se, na epiderme do fruto, um mofo branco e enrugado. Em decorrência, ocorre uma podridão amarga ou azeda, com forte odor pútrido, que atrai dípteros, como a mosca-do-vinagre, que depositam seus ovos nos tecidos decompostos dos frutos afetados, os quais, em pouco tempo, estão repletos de larvas e de mosquitos (informações Embrapa Clima Temperado).Silva confirmou em sua pesquisa que a maior perda causada pela podridão azeda ocorre durante o período chuvoso no estado de São Paulo, podendo atingir até um quinto do produto colhido. Com a predominância de chuvas durante o verão, as infecções aumentam consideravelmente devido às condições ambientais de temperatura e umidade relativa, que favorecem o ataque e a multiplicação do fungo.
Produção nacional
O Brasil é o maior produtor de laranja. Na safra de 2019, foram colhidas cerca de 17 milhões de toneladas em uma área de 590 mil hectares, com valor de R$ 9 milhões. A produção mais expressiva é a do estado de São Paulo, com cerca de 13 milhões de toneladas anuais, de acordo com o Anuário Brasileiro de Horti e Fruti de 2021.A do tipo lima foi a segunda variedade de laranja mais comercializada na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), em 2019, sendo encontrada em todos os meses do ano, porém, com maior oferta de julho a outubro. Na família das laranjas, a lima ocupa o terceiro lugar na concentração de vitamina C, atrás das variedades natal e baía. Com origem no sudeste asiático, a lima é uma espécie grande, adocicada, com baixa acidez e muitos nutrientes.
A dissertação foi apresentada na Unicamp por Adriane Maria da Silva, orientada pela professora Juliana Fracarolli, e coorientada por Daniel Terao da Embrapa Meio Ambiente. Além da Embrapa e da Unicamp, a pesquisa contou com o apoio da empresa Alfacitrus.
Cristina Tordin
Embrapa Meio Ambiente