‘Queremos saber em que circunstâncias as pessoas morreram’

Falsidade ideológica, omissão de notificação de doença obrigatória e possíveis crimes contra a vida são as suspeitas investigadas pelo Ministério Público estadual no caso da operadora de saúde Prevent Senior. “Queremos saber em que circunstâncias as pessoas morreram”, disse o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo.

Quatro dos nove promotores da força-tarefa que investiga o caso são do Tribunal do Júri. Sarrubbo afirmou ao Estadão que a força-tarefa deve investigar a operadora de saúde Hapvida, que tem hospital em Ribeirão Preto e também é suspeita de impor a médicos e pacientes o “kit covid”. Leia a entrevista.

Quais são os delitos em tese investigados no caso Prevent?

Em princípio são pelo menos três delitos. O primeiro é a omissão de notificação de doença pelos médicos, que estavam obrigados a notificar o Ministério da Saúde, toda vez que diagnosticassem covid e mortes. O segundo é a falsidade ideológica. Há notícias da CPI de que os atestados de óbito eram falsificados; não se noticiava a morte por covid, o que é grave por levar a uma falsa percepção da pandemia quando as autoridades precisam conhecer os índices de contaminação e mortes para tomar medidas preventivas. E queremos saber em que circunstâncias as pessoas morreram, recebendo o tratamento pelos médicos nos hospitais da empresa em razão das informações de que, muitas vezes, utilizavam-se medicamentos e métodos reconhecidamente ineficazes. Esse é só um começo. O trabalho vai envolver o conhecimento das rotinas, dos métodos e do sistema adotado. Tudo terá de ser esclarecido caso eventuais tipos penais surjam, como lesões que se tornaram permanentes em função de tratamentos inadequados.

Estamos falando em lesão corporal gravíssima?

É – se possível -, pois as pessoas muitas vezes saem da covid com lesões gravíssimas. Há notícias de experiências que teriam sido feitas e, a partir daí, queremos saber se essa experiência causou morte, se a experiência causou risco à vida de pacientes. Tudo isso pode ser tipificado no Código Penal.

A ideia de pôr na força-tarefa promotores do Tribunal do Júri é ter pessoas com experiência em crimes contra a vida no caso?

Exato. A ideia é ter um olhar dos crimes contra a vida. Eles são experientes. Não fazemos juízo prévio. A ideia é que a covid envolve risco à vida, portanto, nada melhor do que um grupo de promotores com experiência de lidar com crimes contra a vida. Estamos investigando as mortes que aconteceram dentro de um sistema adotado por essa empresa.

O sr. investiga se houve a ação de uma organização criminosa?

Não dá para se diagnosticar. Precisamos ter calma. O que temos hoje são informações da CPI. São fatos estarrecedores, no sentido de que havia ali um sistema de trabalho, mas não dá para dizer que é uma organização criminosa. É preciso saber por que os profissionais agiam daquela forma. O grande desafio do Ministério Público é ver em que medida os médicos tinham liberdade para aplicar os tratamentos dentro da convicção própria e em que medida romperam a barreira da liberdade de forma imprudente e negligente ou até com intenção de causar danos maiores. Tudo será visto com cuidado, com ajuda de profissionais médicos.

Como definir as responsabilidades de cada envolvido?

Se dirigentes da empresa determinavam prescrições médicas e se o médico conscientemente sabia que as prescrições não eram adequadas, começamos a esbarrar em ilícitos penais graves. Mostra a consciência de que se está colocando a vida de alguém em risco. A responsabilidade penal haverá de chegar a todos: àquele que deu a ordem e àquele que recebeu a ordem e cumpriu com a consciência de que aquilo era ineficaz.

Há um paciente que os médicos queriam passá-lo a cuidados paliativos, porque seria terminal. A família o transferiu de hospital e ele sobreviveu. Em tese, pode haver conduta criminosa?

Sem dúvida. Em tese. A covid é um desafio grande. Pode acontecer de o diagnóstico ser de irreversibilidade e se reverter. A questão é saber se o problema é o diagnóstico que não se confirmou ou se era uma política de liberar leitos. Uma vez constatado que esse diagnóstico não tinha substrato científico, houve erro ou algo intencional, sem sombra de dúvida estamos lidando com crime contra a vida. A pessoa pode ter sofrido um risco caso se constate que o tratamento era ineficaz. A grande questão é essa: insistia-se em algo que a comunidade científica já havia identificado como ineficaz. E aí vem a pergunta: por quê? Qual a razão? Ficção pura e simples, imperícia, negligência ou era uma determinação da empresa com olhares comerciais? Aí, todo mundo que participa responde criminalmente. Precisamos saber o que aconteceu. Agora é a hora da verdade. Vamos investigar de forma profunda, se possível, preservando a instituição que atende muitos idosos, e punir quem geriu mal.

Há outra operadora, a Hapvida, presente no Estado e também questionada porque obrigaria médicos a distribuir o “kit covid”. Ela também será investigada?

Se o método for o mesmo, é nosso dever investigar também. É possível que os colegas investiguem a conduta dessa empresa. Podemos estender a atuação da força-tarefa.

Por que o Ministério Público arquivou em 2020 uma outra investigação sobre a Prevent?

Isso é do primeiro semestre de 2020, quando essa questão, a cloroquina, ainda gerava dúvida. Não era nada consolidado. Os colegas tomaram a decisão correta, pois não havia indícios que justificassem a investigação. Era outro momento. Hoje, temos inúmeras provas novas que ocasionaram o desarquivamento e novas diligências.

Os promotores pretendem verificar os prontuários dos pacientes que morreram na Prevent para saber se o atestado de óbito relata a causa correta da morte?

Todos eu não diria, mas isso vai ser verificado. A prova documental envolve a checagem.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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