Quebra de sigilos de Flávio Bolsonaro no caso das ‘rachadinhas’ faz dois anos

Um dos pilares mais relevantes da única denúncia apresentada no caso das “rachadinhas” (desvio de salários) no Legislativo do Rio, a quebra de sigilo bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e outras 94 pessoas físicas e jurídicas faz dois anos neste sábado, 24, em meio a disputas judiciais e incertezas.

Suspensa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a decisão de Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal fluminense, foi central para a obtenção de indícios que guiaram a investigação e geraram o indiciamento de 17 acusados. Atualmente, porém, essas evidências, por questões formais e processuais, não são consideradas válidas. Seu destino depende de recursos, que ainda serão julgados.

O senador e ex-deputado estadual foi denunciado na investigação por peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita. Foram incluídos na mesma denúncia o suposto operador do esquema, Fabrício Queiroz, e outras 15 pessoas. O suposto esquema teria operado no gabinete do parlamentar na Assembleia Legislativa.

A peça, contudo, está parada no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio. Ficou enfraquecida depois do entendimento do da 5ª Turma do STJ. O colegiado considerou a decisão do juiz Itabaiana, de apenas cinco páginas, pouco fundamentada. O magistrado teria se limitado a acolher a manifestação do Ministério Público, sem explicar detalhadamente o motivo.

Promotoria tenta revalidar decisão do juiz

O MP do Rio busca revalidar a busca. Entrou com recurso no STJ pedindo permissão para o Supremo Tribunal Federal (STF) analisar a questão. Sem a decisão de dois anos atrás, o MP não teria descoberto muitas supostas evidências do suposto desvio de recursos do Legislativo do Rio por meio de funcionários “fantasmas”. A quebra revelou saques em espécie e transferências diretas para Queiroz, por exemplo. O dinheiro era sacado por funcionários nomeados para cargos de confiança no gabinete de Flávio.

O então deputado Flávio Bolsonaro com seu assessor Fabrício Queiroz

O então deputado Flávio Bolsonaro com seu assessor Fabrício Queiroz Foto: Reprodução

O MP do Rio sustenta que o dinheiro foi usado para pagar despesas do parlamentar e lavado em uma franquia da Kopenhagen e em transações com imóveis. Uma nova denúncia deverá abordar esse núcleo da investigação.

Depois daquela decisão de abril de 2019, houve ainda duas etapas de medidas cautelares antes da peça acusatória. A primeira, em dezembro do mesmo ano, já indicava um nível de apuração próximo de uma denúncia, como notaram na época pessoas ligadas ao caso.

Ao pedir a Itabaiana novas quebras de sigilo e mandados de busca e apreensão, o MP dividiu a investigação em seis núcleos. Este incluía, entre outros, um que seria formado por Queiroz e o pelo miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, cuja mãe e ex-mulher foram nomeadas para cargos no gabinete de Flávio. “Capitão” Adriano, como era conhecido, foi morto pela Polícia Militar da Bahia em fevereiro de 2020.

Outro ali citado foi o norte-americano Glenn Dillard. Ele efetuou transações imobiliárias com Flávio e teria recebido valores em espécie “por fora”. Essa foi mais uma ação cuja detecção só foi identificada com a quebra de sigilo.

Na segunda cautelar, o juiz Itabaiana elaborou uma decisão bem maior do que a anterior. Em lugar das cinco páginas de abril – duas apenas para listar os 95 afetados pela medida – o despacho de dezembro tinha 29. Nelas, o magistrado se aprofundou na análise dos argumentos da Promotoria.

A medida de dezembro viabilizou, em junho de 2020, a terceira cautelar, a prisão preventiva de Queiroz e sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar. O argumento foi que atrapalhavam as investigações. Nesse documento, o MP inseriu novos elementos, antecipando parte do que seria usado na futura denúncia. Mostrou, por exemplo, o mapeamento via GPS dos movimentos de uma ex-assessora, Luiza Paes, que não frequentava a Assembleia Legislativa. Meses depois, em depoimento, ela assumiu ser “fantasma”: não ia ao trabalho.

O ponto de partida da investigação foi um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), produzido na Operação Furna da Onça, sobre corrupção no Legislativo fluminense. O trabalho identificou movimentação atípica na conta de Queiroz e fez o MP investigar as suspeitas. A quebra de sigilo de dois anos atrás, no entanto, foi a primeira decisão judicial do caso. Gerou também desdobramentos – um deles, a denúncia formal pelos crimes elencados.

Flávio alega inocência, e sua defesa acumula vitórias

No momento, a defesa do senador acumula a vitória da invalidação da quebra de sigilo pelo STJ com outra: a do foro especial. Depois de ter sido tocado inicialmente pelo juiz Itabaiana, o caso foi para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça. A mudança ocorreu após decisão da 3ª Câmara Criminal do Rio. O colegiado seguiu o entendimento de que, por ser deputado estadual na época dos supostos crimes, o hoje senador deveria ser julgado na instância onde os atuais parlamentares estaduais são processados.

Flávio alega, desde o início das investigações, que é inocente. Afirma ser alvo de perseguição política, cujo objetivo seria atingir o governo do presidente Bolsonaro. Queiroz também nega ter cometido crimes e já apresentou mais de uma versão para explicar o fato de sua conta ter movimentado muito mais dinheiro do que sua renda permitiria. Em uma delas, afirmou ganhar dinheiro com a compra e venda de carros. Em outra, disse que recolhia os salários dos funcionários do gabinete para redistribuir o dinheiro por uma rede mais ampla de colaboradores. O então deputado Flávio Bolsonaro não saberia de nada.

Ainda com relação ao foro em que o caso será julgado, há recursos pendentes em Brasília. Um é do MP, outro, da Rede Sustentabilidade. O relator de ambas é o ministro Gilmar Mendes. Enquanto foro e quebra de sigilo não forem decididos, dificilmente a denúncia andará, já que avanços dela poderiam gerar novos questionamentos da defesa.

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