Projeto de clube-empresa pode mudar no Congresso após sanção e vetos de Bolsonaro

O projeto de lei que permite a criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) foi sancionado na última segunda-feira por Jair Bolsonaro. O texto teve alguns pontos importantes vetados pelo presidente. O Congresso Nacional ainda pode manter ou derrubar esses vetos.

Por recomendação do Ministério da Economia, Bolsonaro derrubou o trecho sobre o “Regime de Tributação Específica”, que permitiria uma redução no valor dos impostos pagos pelo clube-empresa, mas também diminuiria as receitas do governo. No texto original, os clubes pagariam 5% de suas receitas mensais de imposto. Nos cinco primeiros anos, o porcentual não incluiria o dinheiro da venda de jogadores. Que entraria a partir do sexto ano, quando a taxa cairia para 4%. Com o veto desse trecho, a tributação ficaria igual ao de uma empresa comum.

“Faz sentido dentro da linha que o governo adotou de austeridade fiscal. Dito isso, sabemos que os impostos precisam ser simplificados e não só para futebol. Vale para clubes e empresas”, declarou Luís Gustavo Giolo, líder de comunicação da Egon Zehnder, empresa especializada em recolocação de executivos.

Outro ponto vetados foram a emissão de títulos de dívida (debêntures) e o acesso a lei de incentivo. Diferentemente das empresas em outras áreas, a SAF permitiria a inscrição de clubes em projetos governamentais com contrapartidas fiscais.

O projeto de clube-empresa visa fazer dos clubes, que em sua maioria são Sociedades Anônimas, empresas e, assim, profissionalizar a gestão e facilitar a chegada de investidores. O texto foi aprovado em junho pelo Senado e em julho pela Câmara. Não há obrigatoriedade de que os clubes se transformem em empresas.

A discussão aqui no Brasil, a grosso modo, já foi estabelecido há cerca de 20 anos na Europa e fez de Inglaterra, Espanha, Itália e Alemanha os grandes centros do futebol. Possibilitou, ainda, o surgimento de novas potências como Manchester City, Chelsea e Paris Saint-Germain, mas também trouxe empresários e caminhões de dinheiro de origem no mínimo duvidosa.

O diretor executivo da Ernest Young, Pedro Daniel, avisa que as transformações no Brasil estão só no começo e não são garantias de dias melhores para o futebol nacional. Mas são pequenos passos que podem ajudar em uma evolução.

“O ideal seria um novo estatuto do futebol que possa permear transformações em todas as esferas. Pilares como regulação do Clube Empresa, centralização dos direitos e implantação do Fair Play Financeiro são pontos chave para essa transformação”, afirmou.

Daniel participou de reuniões para elaboração do texto da SAF. O principal ponto positivo, segundo ele, será a abertura de mercado para o futebol. E, assim como aconteceu na Europa, as primeiras transformações talvez não sejam sentidas pelos grandes clubes. “Com os mais tradicionais, o movimento é mais lento. Talvez maior mudança comece com times da Série B e C. Deve acontecer mais ou menos o que aconteceu com o Bragantino. Devem ocorrer novos Red Bulls, como foi o caso do Chelsea e Manchester City, na Inglaterra”, afirma.

PONTO PREOCUPANTE – Um ponto preocupante é a obrigatoriedade da dívida ser paga em somente 10 anos. Clubes como Corinthians e Botafogo tem o déficit quase na casa do bilhão. A lei obriga o clube que migrar para SAF destinar 20% do que arrecadar para o pagamento dos credores. Mas, se for analisar o faturamento atual das principais equipes endividadas, 20% em dez anos não garante o pagamento na integra.

O Botafogo teve receita em 2020 de R$ 156,5 milhões, com dívida total de R$ 869,3 milhões. Se usar 20% da receita para pagar os credores, usará anualmente R$ 31,3 milhões. Em dez anos, não pagará nem metade do que deve. O Corinthians chegaria mais perto. Faturou no ano passado R$ 474,3 milhões e tem dívida de R$ 956,9 milhões. Em dez anos quitaria R$ 948,6 milhões.

A mudança é arriscada por isso. Quem não conseguir novos investimentos ou, pior, sofrer diminuição da renda não honrará os compromissos da lei. O não pagamento da dívida gera outro problema não detalhado no novo projeto: a falência ou recuperação judicial. Ainda não há definição do que acontece com um clube empresa que falir.

“É algo que deverá ser discutido na CBF. O CNPJ do clube é o que serve de inscrição para uma competição. Um clube não pode substituir o controlador no meio de uma competição. Não há também definição se o clube decretar falência. Na Inglaterra, o clube que falir tem seis meses para buscar novo investidor e saldar as dívidas. Se não conseguir nesse período, pode perder o direito de disputar a competição.”

PERFIL DO PROFISSIONAL DO FUTEBOL – Enquanto o clube é uma associação, o dirigente esportivo quase sempre foi um torcedor fanático que se aproximou do clube ou um ex-jogador com muita identificação com o torcedor. A transformação em empresa também deve mudar esse cenário. Giolo também alertou para outra preocupação que profissional que assumir um clube-empresa deverá ter.

“Além de afinidade com futebol, tem que ter também o lado de sensibilidade cultural muito alto. A vida se transformará da noite para o dia. È uma pressão brutal que existe no futebol. O time perde dois jogos seguidos e o torcedor já pede a demissão. Vai virar também objeto da mídia, dos torcedores e mudará as horas de trabalho, que a partir de então incluirão jornadas aos sábados, domingos e feriados. Tem que vestir outro modelo operacional.

E A LEI DO MANDANTE? – Enquanto a SAF já foi sancionada, outra projeto de lei que tenta mudar a legislação do futebol passou pela Câmara e agora aguarda votação no Senado: a Lei do Mandante. Seu principal objetivo é que apareçam novos players no mercado de transmissão. Um ponto preocupante é que a negociação deve ser mais vantajosa apenas para entidades esportivas de maior tradição.

“É uma lei que deve gerar perda de receita aos clubes pequenos. As empresas maiores vão se interessar em negociar com o time grande e a tendência é os menores ficarem segregados”, opinou o advogado Fred Zürcher, especialista em direito desportivo.

Ele também acredita que a PL do Mandante ganhou força no atual momento político por causa da rixa declarada entre Bolsonaro e a Rede Globo. “Tem esse viés. A aceleração desse projeto foi uma forma de atingir a emissora que até então controlava as transmissões de futebol.”

A mudança proposta é sutil ao que já existe, mas deve ter grande repercussão na prática. Atualmente, a negociação para transmitir uma partida precisa de acordo com o clube mandante e o visitante. A partir de agora, só o clube anfitrião precisa ter acordo com a emissora para que seu jogo seja transmitido.

Se a lei passar pelo Senado e tiver sanção do presidente, os contratos que estão em vigor seguirão válidos até o término. No entanto, pode haver problemas jurídicos nesse período que estiver em vigência contratos com leis diferentes.

O Athletico-PR, por exemplo, não fechou contrato com nenhuma emissora para transmissão dos seus jogos no momento. A nova lei entrando em vigor, o clube vai e acerta com uma emissora. Aí o Athletico-PR recebe o Corinthians pelo Brasileirão. O Corinthians tem contrato antigo com a Globo, que só permite a transmissão com concessão de mandante e visitante. “Se a emissora que o Athletico fechar transmitir a partida, vai descumprir o contrato da Globo. E aí como fica? Quem vai pagar essa multa?”, comenta Zürcher.

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