Pressão do Centrão por controle do Banco do Nordeste envolve carteira de R$ 30 bi
O objetivo da cúpula do PL é destituir Romildo Carneiro Rolim, servidor de carreira que ascendeu à presidência da instituição no governo Michel Temer. Ele já se amparou em diferentes apoios políticos para permanecer na cúpula do banco. Rolim se opõe à ideia que lobistas do mercado financeiro tentam emplacar há anos: vender ao mercado privado a carteira de microcrédito no Nordeste, a mais bem sucedida do País com escala e referência nessa modalidade de crédito que não recebe atenção dos grandes bancos de varejo.
Rolim não era a primeira opção de Costa Neto. Em 2020, quando Bolsonaro cedeu o banco ao Centrão, quebrando promessa de campanha, o PL chegou a emplacar na presidência do BNB o nome de Alexandre Borges Cabral. Porém, Cabral foi demitido após o Estadão revelar que era suspeito de “gestão temerária” na Casa da Moeda, segundo o Tribunal de Contas da União. Ele teria deixado um prejuízo de R$ 2,2 bilhões. Rolim teve apoio de integrantes da equipe econômica para retornar, entre eles o do ministro Paulo Guedes.
Segundo Costa Neto, Bolsonaro o cobrou por mensagem no WhatsApp ao descobrir que a atual gestão mantinha um contrato de R$ 583 milhões, justamente no setor de atendimento ao microcrédito, com o Instituto Nordeste Cidadania (Inec), uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip). A entidade firmou parceria com o BNB em 2003, no primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva e, para apoiadores do atual governo, abriga petistas e empodera politicamente adversários de Bolsonaro.
Esse foi o argumento principal endossado pelo chefe do PL. Em vídeo divulgado nas redes sociais, o presidente do PL, que costuma guardar discrição desde que foi condenado e preso no escândalo do mensalão, falou em tom de moralização e levantou suspeitas sobre o contrato vigente há 18 anos. “Não podemos ter uma ONG contratada num banco da importância do Banco do Nordeste”, disse Costa Neto.
Diferentes fontes políticas e econômicas com experiência no BNB, afirmam, porém, que não há suspeitas concretas de irregularidades ou corrupção na execução do contrato. A parceria já teria passado por distintos escrutínios.
Sem suspeitas fundadas, parlamentares precificaram o suposto elo com o PT como o “bode na sala” para convencer Bolsonaro a promover a troca da diretoria. Isso abriria espaço para instalar no banco uma diretoria politicamente guiada a ser favorável e promover a cisão das operações de fomento do desenvolvimento regional, como administrador do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), do mercado de microfinanças, em que supera os concorrentes públicos e privados. Primeiro, a nova diretoria promoveria uma licitação do microcrédito, que tem potencial eleitoral, e depois permitiria a venda para um banco privado.
Por meio da operação, o BNB atende micro e pequenos empresários que não acessam créditos em quantias baixas em outras instituições financeiras e antes estariam restritas à agiotagem. Políticos da bancada cearense afirmam que o programa “Crediamigo”, para áreas urbanas, é o mais lucrativo e que alcança vendedores ambulantes, tapioqueiros e bordadeiras. O valor médio dos empréstimos é de R$ 2,7 mil.
O programa “Agroamigo” tem como público-alvo o segmento rural, focado em agricultores familiares, e o valor médio dos financiamentos fica em R$ 5 mil. Segundo dados do Banco do Nordeste referentes a 2020, a carteira ativa dos programas de microfinanças somava 3,5 milhões de clientes e R$ 15 bilhões contratados.
Troca em suspenso
Até agora, porém, o Ministério da Economia não tomou providências para destituir Rolim e outros integrantes da diretoria, sob os quais exercem influência política deputados como Wellington Roberto (PB), líder do PL na Câmara, e Junior Mano (CE).
O ministro da Economia, Paulo Guedes, manteve inalterada a diretoria do Banco do Nordeste e não deu sinais de que pretende convocar reunião para mudar a composição. Ele, no entanto, determinou que o Conselho de Administração do banco apure se há irregularidades no contrato com o Inec. A Controladoria-Geral da União também recebeu ofício do Ministério da Economia para acompanhar o caso.
A ofensiva surgiu no momento em que a Caixa Econômica Federal tenta entrar nesse mercado com o lançamento de um programa de microcrédito com público voltado justamente para os beneficiários do auxílio emergencial. A meta é atingir 100 milhões de pessoas com o novo crédito. A intenção é aumentar a penetração do banco, sobretudo no Nordeste.
O auxílio está prestes a acabar e será substituído pelo novo programa Bolsa Família, o Auxílio Brasil. Bolsonaro e os seus aliados do Centrão nunca esconderam a intenção de aumentar a penetração no Nordeste, reduto em que o ex-presidente Lula, principal adversário em 2022, tem maior força política. Fontes ligadas ao banco avaliam que o Centrão quer também aumentar o poder dentro do banco na véspera das eleições de 2022 e agradar agentes financeiros.
A interlocutores, Romildo Rolim negou irregularidades no contrato e disse que não aceita passar à história como “ladrão”. Ele também deu sinais claros de que, defenestrado, vai procurar os órgãos de controle e fiscalização, como o Ministério Público, para dar detalhes da interferência política na instituição. Procurado pelo Estadão, ele não retornou os contatos da reportagem.
Em nota, o Banco do Nordeste disse que o contrato com o Inec “está em conformidade com a legislação vigente”. “Eventuais mudanças no modelo de atuação do banco, no segmento de microcrédito, necessariamente precisam seguir os princípios da governança, compliance, ética, integridade e transparência, valores imprescindíveis na tomada de decisão de uma operação de tamanha complexidade”, afirma o comunicado do BNB ao mercado. O jornal não conseguiu contato com o Inec até a conclusão desta reportagem.
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