Pequenos rincões concentram mais filiados a partidos

Carlos Eduardo da Silva, de 32 anos, foi um crítico ferrenho das últimas gestões da cidade onde mora. Mas tudo não passava de retórica – até que, nas últimas eleições municipais, ano passado, ele resolveu dar um passo a mais para ampliar o alcance de sua voz e atuar “de igual para igual” com os políticos locais. Não, ele não se lançou candidato – como alguns até chegaram a sugerir. Filiou-se a um partido político.

Hoje, a rotina de Cadu – como é conhecido pelos colegas na pequena Flora Rica, a 600 quilômetros de São Paulo – se divide entre a chefia do setor de almoxarifado da prefeitura e as sessões da Câmara Municipal, a menos de 50 metros do seu trabalho. Nas horas vagas, como os intervalos para almoço, ele atravessa a rua para levar aos vereadores demandas de alguns dos 1.430 habitantes da cidade. O roteiro de Cadu é exemplo da principal conclusão de um recente estudo sobre as filiações partidárias no Brasil: elas ocorrem sobretudo nos mais distantes “rincões” do País.

Os autores da pesquisa, Emerson Urizzi Cervi (UFPR), Sonia Terron (IBGE) e Glaucio Ary Dillon Soares (UERJ), estudaram a distribuição geográfica dos eleitores filiados a partidos políticos no País – com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral de 2018. Um dos achados cruciais foi que os municípios maiores e mais desenvolvidos econômica e socialmente tendem a apresentar (proporcionalmente, pelo total de habitantes) menor relação formal com as siglas do que municípios pequenos, com baixo desenvolvimento social e com perfil econômico rural.

Os resultados, dizem os pesquisadores, reforçam a possibilidade de existir, no Brasil, uma “filiação instrumental”, e não inspirada em motivos ideológicos, como muitos imaginam. Ou seja, além de se associar a uma legenda para eventualmente se candidatar, os cidadãos, no interior do País, usam a filiação como uma forma de ter mais acesso ao Estado.

Perto do poder

E é exatamente o que faz Cadu. Estar associado a uma legenda deu a ele mais “entrada” no poder municipal, que decide a maior parte dos empregos da cidade. Sua luta é por mais trabalho e lazer para os jovens no município. “Quem se forma nas faculdades da região tem como única alternativa ir embora, já que não há emprego de verdade aqui”, disse ele.

No curto período em que é filiado, Cadu já teve parte de suas demandas atendidas. A mais recente foi a reforma de uma piscina pública abandonada. A essa conquista somam-se a inclusão de lombadas em bairros com circulação de carros e crianças e a melhora da merenda escolar. “Me filiei para estar mais inteirado e para poder gritar mais alto por melhorias futuras. Quero que meu filho de 6 anos não sofra lá na frente”, afirmou Cadu, cujo emprego na prefeitura não tem a ver com política ou com sua filiação.

O cientista político Emerson Urizzi Cervi, um dos autores do estudo, explica que, nas regiões metropolitanas, o mercado e a sociedade são atores relevantes para atender às demandas dos cidadãos. “Já no interior do País é o Estado quem provê as ausências de um mercado desenvolvido e de uma sociedade organizada. Por isso, há uma proximidade do poder público como recurso para atendimento de demandas individuais ou para a representação das demandas coletivas.”

O agricultor e feirante Valmir Galvão, de 57 anos, mora no município com maior porcentual de filiados do País – Lajeado Grande, no oeste de Santa Catarina, onde 72,6% dos eleitores estão ligados a alguma sigla. Seu Galvão é um deles. Fez sua primeira filiação há mais de 15 anos e hoje está no MDB, que, no último pleito, elegeu dois vereadores.

“Concordo com as ideias do partido e através dele existem formas de buscar recursos nas mais diversas esferas para o crescimento e bem-estar do município”, contou o agricultor ao Estadão. Fora da época da pandemia, ele participa periodicamente de reuniões da sigla, que contam com a presença de filiados, vereadores e deputados estaduais. Um dos pedidos que fez e que já foram atendidos foi a destinação de emendas parlamentares para a aquisição de máquinas e melhoria de estradas da região.

Lurdes Fátima Todescatto Fochezatto tem 57 anos e também é moradora de Lajeado Grande, que tem 85 mil habitantes. Assim como seu Galvão, dona Lurdes trabalha no campo, mais especificamente com a produção de leite. Recentemente, ela buscou na filiação partidária uma forma de defender os interesses de sua classe. “Estou na luta para tentar mudar um pouco a situação do pequeno agricultor e da agricultura familiar. E quando você luta junto com outras pessoas em um mesmo partido, a chance de vencer é maior”, disse ela. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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