Pela primeira vez, disputa na OAB-SP tem duas mulheres
A abertura da inscrição das chapas será amanhã. Estão aptos a votar 278.852 advogados e advogadas em um universo de 406.000 inscritos. Desse total, 50,3% são mulheres, segundo dados da OAB.
Uma resolução do Conselho Federal da entidade estabeleceu paridade de gênero e política de cotas raciais a partir das eleições deste ano, marcadas para novembro. Só estarão aptas a participar, portanto, as chapas com, no mínimo, 50% de mulheres e 30% de negros. “Vejo com naturalidade a disputa com duas mulheres. Faz parte do momento que estamos vivenciando. Nossa gestão não foi masculina e já é inclusiva”, disse o atual presidente da OAB-SP.
Natural de Bauru, onde mantém seu escritório, Caio Augusto liderou, em 2018, um movimento entre os advogados “de base” que usavam a cor amarela como símbolo. Ele nega, porém, que tenha votado em Jair Bolsonaro para presidente.
Já suas adversárias são paulistanas. Dora Cavalcanti tem escritório na rua Oscar Freire e formou-se na USP, onde atuou no movimento estudantil. Patrícia Vanzolini, que nasceu durante o exílio dos pais, em Santiago, no Chile, e veio com 1 ano para São Paulo, tem escritório na Avenida Paulista, é professora do Mackenzie e formou-se na PUC-SP.
Até a quinta-feira passada, Patrícia era apontada como candidata a vice na chapa que seria “em tese” encabeçada pelo advogado Leonardo Sica, mas a cabeça de chapa foi anunciada em uma live que pegou muita gente de surpresa. “Sempre consideramos essa possibilidade, mas havia uma tendência machista de acharem que o candidato era ele”, disse a advogada.
Diante do novo modelo de representatividade na categoria, era de se esperar que o debate sobre o machismo estrutural na advocacia ganhasse corpo. “Está na hora de conter o machismo e o racismo estrutural. Basta olhar a galeria de retratos da OAB. Na última eleição, nenhuma mulher foi eleita presidente em nenhuma seccional”, disse Dora. Sua candidata a vice é a advogada Lazara Carvalho, negra e especialista em atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica.
Entre os adversários, Dora é quem atua nos casos de maior repercussão nacional, e enfrentou o juiz Sérgio Moro na Lava Jato quando esteve na defesa da Odebrecht. A advogada, que foi sócia do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, faz as críticas mais contundentes à operação deflagrada em Curitiba.
“Todos embarcaram nessa ilusão que os excessos da Lava Jato e as 10 medidas contra corrupção significaram um avanço. Mas ficou claro que os fins jamais justificam os meios. Hoje, o País e os julgamentos do STF refletem isso”, afirmou. Quando questionada se é uma advogada “antilavajatista”, no entanto, ela rejeita o rótulo. “Não quero esse carimbo. Vai aparecer que sou pró-corrupção. Sou uma crítica da ruptura com o sistema constitucional que redundou em excessos da Operação Lava Jato”.
Com tons diferentes, os demais candidatos concordam sobre esse tema. “Houve abusos da Lava Jato e o Judiciário reconheceu isso. Mas o Ministério Público merece nosso respeito. Um grupo de promotores não pode pretender ser maior que a própria promotoria”, disse Caio Augusto. “A Lava Jato extrapolou em muitos pontos e criou uma cultura jurídica de autoritarismo penal muito perniciosa e que se espraiou”, afirmou Patrícia.
O trio de candidatos é cuidadoso, mas diverge ao tratar sobre uma pauta que hoje divide a OAB nacionalmente: o impeachment de Bolsonaro. A entidade, que esteve na linha de frente do Fora Collor ao Fora Dilma, recebeu um parecer jurídico robusto indicando crimes de responsabilidade contra o atual chefe do Executivo, mas interditou o debate e se absteve de ir às ruas.
“O impeachment é um debate que não está maduro no contexto da Ordem”, afirmou Caio Augusto, que recebe apoios de advogados mais conservadores do interior. Dora criticou o silêncio da Ordem em não engajar a classe no tema. “Entendo que as violações cometidas pelo presidente configuram crime de responsabilidade, mas é uma opinião pessoal. E, sim, a Ordem tem de encampar o impeachment”, disse ela.
“O processo de impeachment embute um cavalo de Troia parlamentarista, o que é muito ruim. É um instituto muito delicado que causa muito dano. Tenho muitos problemas com o instituto do impeachment”, afirmou Patrícia.
As duas candidatas criticam o sistema de votação adotado pela OAB-SP, que será presencial. A avaliação é de que isso favorece o candidato da situação, pois abre caminho para as abstenções. O presidente disse que as regras são federalizadas e nunca existiu uma autorização para fazer a eleição em um modelo diferente daquela que está prevista no estatuto da advocacia.
Azarão
Com uma campanha mais modesta e sem o mesmo volume de apoio que o s adversários, o advogado Alfredo Scaff Filho, de 51 anos, tenta montar uma chapa para “correr por fora” na eleição da OAB-SP. Delegado da Polícia Civil entre 1996 e 1999, ele atua hoje na área pública. Com um perfil mais conservador que os concorrentes, Scaff é crítico do que chama de “estado político partidário” da OAB local e nacional.
Sobre o impeachment de Bolsonaro, disse que não é “nem contra, nem a favor”, e considera que a Lava Jato “foi um grande procedimento que deve ser aplaudido”, mas aponta erros da operação: “O que não pode é ter pirotecnia. Infelizmente houve uma cascata de erros no conjunto da obra”.
O quinto candidato à presidência da OAB-SP, o criminalista Mário Oliveira Filho, não respondeu à reportagem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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