“Parei minha vida”, diz ex-paciente de cirurgião acusado de deformar narizes
Os pacientes ouvidos pelo Estadão relatam que, após as cirurgias, enfrentaram infecções bacterianas e fúngicas, o que levou a perda de cartilagem, meses de tratamento com antibióticos, deformações no nariz e dificuldades para respirar. Um grupo no WhatsApp chamado ‘Pacientes do Alan’ reúne 17 ex-pacientes que afirmam ter sofrido danos decorrentes do procedimento estético. Um deles, que prestou queixa contra o médico, diz ter listado 24 pessoas com relatos semelhantes.
O médico Thaissio Britto de Lima, 30, é um dos casos. Após a segunda cirurgia realizada com Landecker, em maio deste ano, afirma ter perdido o olfato e começado a sentir dificuldade para respirar. Hoje, ainda segue tratando a infecção com antibióticos. “Minha qualidade de vida piorou muito desde a cirurgia. Nesse período, engordei, tive que deixar de trabalhar, estou tomando antidepressivo. Foi uma coisa muito frustrante pra mim, fez eu parar minha vida”, conta. Ele aguarda os prontuários médicos para prestar queixa.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, foram solicitados exames de corpo de delito para as vítimas que já prestaram depoimentos. Cinco casos são investigados pelo 15º DP e um pelo 34º DP. “Os laudos estão em andamento, e assim que finalizados, serão analisados pela autoridade policial. A oitiva do médico será realizada no decorrer das investigações”, diz, em nota.
Parte dos pacientes foram operados em hospitais de elite da capital paulista, como São Luiz do Morumbi, Vila Nova Star, Sírio-Libanês e Israelita Albert Einstein. Após as denúncias, o cirurgião foi afastado de suas atividades no Vila Nova Star, no Sírio-Libanês e no Israelita Albert Einstein.
O Ministério Público de São Paulo e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) também foram acionados. Procurado, o conselho informou que as investigações envolvendo o médico tramitam sob sigilo determinado por lei.
A defesa afirma não existir nexo causal entre as infecções que as pessoas contraíram e a atuação do médico. “Seja antes, durante ou pós-cirúrgico, o doutor Alan e sua equipe deram toda a assistência a todos os pacientes. Essas infecções só surgiram mais de 30 dias depois por motivos alheios a qualquer tipo de conduta do doutor Alan”, afirma Daniel Bialski, advogado do cirurgião.
A advogada Marília Veridiana Frank de Araujo, 38, foi uma das ex-pacientes a prestar queixa. Ela havia acabado de perder o pai quando decidiu realizar o sonho de fazer uma rinoplastia estruturada, em maio deste ano, com Landecker, no Hospital Vila Nova Star. O objetivo era curar o desvio de septo e melhorar a ponta do nariz. Um mês após o procedimento, descobriu que estava com infecção e a cartilagem estava exposta.
“Ele me mandou ir pra casa tomar remédio, mas decidi ir para o hospital. Meu rosto ficou deformado, estava com infecção no osso”, conta. Ela procurou outro médico, que teria pedido à Landecker que a operasse novamente, desta vez no Hospital Israelita Albert Einstein. “O outro médico me disse: ‘como ele não fez uma lavagem no seu nariz? Está completamente podre'”, relembra. Por fim, realizou uma terceira operação com outro médico.
Marília diz que até hoje não tem seu prontuário médico e já gastou por volta de R$ 120 mil nas três cirurgias e medicamentos. Ela segue o tratamento com antibióticos e ainda não consegue respirar sem utilizar um alargador nas narinas. “Eu vivo chorando. Eu sofro por mim e por cada um (dos lesionados). Estou muito triste, é cansativo, é estressante”, conta.
O cirurgião chegou a mover uma ação contra a advogada por calúnia, injúria e difamação por postagens realizadas sobre o caso em suas redes sociais e no YouTube.
O Hospital Sírio-Libanês informou, em nota, que foram avaliados todos os casos de pacientes internados pelo cirurgião e “não foram identificadas falhas nos processos assistenciais realizados”. A instituição abriu sindicância ética e administrativa interna, que segue sob sigilo.
“O Hospital Sírio-Libanês é comprometido com os mais altos padrões de controle de infecção hospitalar e é acreditado internacionalmente pelo seu alto nível de excelência em processos cirúrgicos e assistenciais”, complementa, em nota.
O Hospital Israelita Albert Einstein comunicou, também por nota, que a atuação do Landecker está sob avaliação do Comitê Médico Executivo do hospital. Um processo administrativo foi aberto para analisar a prática médica e os fatos relacionados aos pacientes tratados pelo profissional.
Landecker é membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) e da Sociedade Internacional de Rinoplastia. Em nota, a SBCP declara preocupação pela ‘gravidade das infecções’ e por ‘serem intercorrências cirúrgicas incomuns’, e ressalta que o cirurgião “é internacionalmente reconhecido por sólida formação e experiência no segmento, bem como os hospitais em que as cirurgias foram realizadas estão entre os mais qualificados do país”.
“A entidade defende que toda intercorrência cirúrgica seja amplamente investigada, para que as suas razões sejam devidamente esclarecidas e possam contribuir para o aperfeiçoamento da especialidade, da medicina e principalmente da segurança do paciente”, pontua, em nota.
Quadros infecciosos e novas cirurgias
A modelo Sarah Cardoso, 29, foi uma das primeiras a entrar em contato com outros ex-pacientes. “No início era só um grupo de apoio, mas foi crescendo e vimos que ele falava as mesmas coisas para todos. Dizia que era um caso raro, fazia a gente achar que a culpa era nossa, nunca era culpa dele”, conta. Ela prestou queixa contra o médico em uma delegacia em São Paulo.
Sarah fez a cirurgia com Landecker em outubro do ano passado para reparar questões estéticas. Depois do procedimento, achou que o nariz havia ficado muito grande e a ponta estava sempre vermelha. Em janeiro, mandou uma foto ao médico dizendo estar sentindo dor e expelindo uma secreção.
“Ele disse que eu estava com uma bactéria e me passou um remédio sem nenhum exame. Meu nariz derreteu nessa época”, conta. No mês seguinte, foi a São Paulo para fazer a cirurgia de reconstrução. Precisou de um terceiro procedimento e, desta vez, o médico tirou enxerto da boca. “Foi traumatizante, meu nariz ficou torto, minha boca ficou torta”, relembra.
Ela estima já ter gastado cerca de R$ 200 mil. Hoje, usa um separador nas duas narinas, instrumento que a permite respirar, e ainda precisará passar por mais um procedimento. “Ele falava que se ele não pegasse meu caso, ninguém ia pegar. Eu sempre caia na lábia dele”, diz.
O cirurgião fez um boletim de ocorrência contra a modelo por postagens realizadas por ela em redes sociais.
Foi também para reparar uma questão estética que Thaissio chegou ao consultório de Landecker. Ele foi operado em março de 2020 e, por não ter gostado do resultado estético, decidiu passar por um novo procedimento. Após a cirurgia, em maio deste ano, começou a sentir dificuldade para respirar – e perdeu o olfato.
Dois meses depois, surgiu uma ferida com exposição de cartilagem na região do septo e um quadro infeccioso. “Ele havia me falado que era um caso isolado, muito incomum de acontecer, pensei que fosse um azar meu”, analisa. Thaissio decidiu procurar outro médico.
Ele teve conhecimento de outros casos envolvendo Landecker através dos jornais. “O grande erro dele foi não ter parado de operar para entender o que estava acontecendo no momento em que viu que muitos pacientes estavam com infecção e bactérias resistentes. Foi um caso de negligência muito grande”, opina.
O advogado de Landecker pontua que as pessoas que tiveram problemas e seguiram com o tratamento ‘foram corretamente tratadas e estão satisfeitas’. “Ele (Alan) não pode se responsabilizar pela eventual temeridade com que essas pessoas cuidaram de suas feridas, não cumpriram as recomendações e abandonaram o tratamento com ele”, defende Bialski. Aponta, também, que as bactérias encontradas são comuns em ambientes hospitalares.
Bialski ressalta, ainda, que “nos dois inquéritos policiais que existem contra ele, não existe nenhuma prova que possa dizer que o doutor Alan errou ou agiu com imprudência” e que “a defesa, seja na esfera criminal ou civil, vai tomar providência contra todos que, de forma leviana, fizerem acusações infundadas contra ele”.
Informações falsas no prontuário médico
Em uma das queixas mais graves, uma empresária de 39 anos que prefere não se identificar, acusa o médico de forjar informações no prontuário médico. Ela fez a primeira cirurgia em junho do ano passado e, desde então, precisou realizar outros quatro procedimentos. Ela afirma que Alan sabia tratar-se de uma infecção desde a segunda cirurgia, mas não a avisou. “Ele falava que meu corpo tinha rejeitado o enxerto e que era um problema do meu corpo, que meu corpo não cicatrizava. Que era um caso raríssimo”, conta.
Ela diz ter tratado a infecção em dezembro, quando havia completado seis meses tomando antibiótico ininterruptamente e decidiu ir até a clínica de Alan dizendo que não sairia sem o problema resolvido. Ele teria chamado uma infectologista, que a internou por 20 dias, com tratamento a base de antibiótico e antifúngico. “Antes disso, ele nunca tinha pedido um exame para saber o que era a infecção, mas no prontuário diz que sim”, afirma.
A empresária ainda pontua que o médico chegava a lhe mostrar fotos de nariz com infecção para mostrar que não era o caso dela. “Eu dizia que sentia uma coisa errada e pedia para ele investigar, mas ele sempre me passava vários medicamentos e pomadas e ficava me reoperando”, diz.
Ela continua tratando as sequelas e relata que nenhum médico aceita pegar o seu caso por se tratar de algo inédito na literatura médica.
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