ONG doa 50 vezes mais cestas que Pátria Voluntária, de Michelle Bolsonaro

O programa Pátria Voluntária, coordenado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, distribuiu pouco mais de 27 mil cestas básicas e 38,5 mil quilos de alimentos desde que foi criado, em julho de 2019. Os dados foram informados pela Casa Civil e pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência após o Estadão revelar que o programa praticamente não recebe novas doações desde julho do ano passado. O número de cestas básicas distribuídas até agora corresponde a 1,93% do que a ONG Ação da Cidadania doou apenas no período da pandemia de covid-19, de março de 2020 até o dia 30 de abril.

Fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a Ação da Cidadania entregou, sozinha, aproximadamente 14 milhões de quilos de comida – o equivalente a 1,4 milhão de cestas básicas – desde o início da crise sanitária. A ajuda beneficiou mais de 4 milhões de pessoas, segundo a ONG. De fevereiro para cá, a entidade distribuiu 350 mil cestas a 1,5 milhão de famílias.

Para efeito de comparação, pode-se dizer que, em pouco mais de um ano, no período da pandemia, a ONG ofereceu 50 vezes mais cestas do que o programa de Michelle em toda a sua existência. E, no período de três meses, 12 vezes mais.

Em outra frente, a Força Sindical anunciou que iria distribuir, a partir de 1º de maio, 15 mil quilos de alimentos. A oferta, em um único dia, equivale a mais da metade do que o Pátria Voluntária doou em quase dois anos de existência.

Propaganda, porém, não faltou para que o programa da primeira-dama decolasse. Reportagem do Estadão mostrou que o gasto da ação com publicidade (R$ 9,3 milhões) é maior que as doações destinadas pela iniciativa (R$ 5,8 milhões) até o momento. O governo alocou mais dinheiro para promover a campanha de Michelle, por exemplo, do que para divulgar a importância de combater o mosquito Aedes aegypti.

A Casa Civil justificou a disparidade sob o argumento de que há várias etapas a serem cumpridas no processo. “Os recursos são empenhados à medida que os editais públicos são lançados e todo o processo é devidamente internalizado e concluído, o que exige um tempo maior”, informou a pasta, em nota. “O objetivo foi incentivar o voluntariado por meio da divulgação das ações desenvolvidas pelo Pátria Voluntária, evidenciando suas dimensões e impactos positivos na sociedade. É um equívoco tentar comparar a campanha publicitária com a execução de projetos, pois eles diferem quanto ao objeto, método e propósito.”

A reportagem deixou claro que os recursos têm origens diferentes: enquanto a verba usada para propaganda sai do Orçamento da União, o dinheiro doado é captado por meio de doações.

A nota do governo diz que quem decide sobre o destino das doações é o “Conselho de Solidariedade”, ligado à Casa Civil. Este grupo “não conta com ministros em sua formação, mas, sim, com representantes de ministérios, os quais se reuniram várias vezes ao longo do ano”. Já o Conselho do Pátria Voluntária, mencionado no site do programa, é integrado por ministros e representantes da sociedade civil. O colegiado, no entanto, tem caráter consultivo e não toma decisões.

Escândalo

“É uma coisa escandalosa gastar R$ 9,3 milhões em publicidade, arrecadar só R$ 10,9 milhões e somente parte disso ter sido distribuída”, disse Daniel Souza, coordenador da Ação da Cidadania. “É muito baixo para um programa que tem a força política da família do presidente e a estrutura do governo federal.” Filho de Betinho, Souza afirmou que a ONG doa, na campanha Brasil sem Fome, entre 70 mil e 80 mil cestas básicas por mês. “Esse é o nosso ritmo. Não somos governo e não temos essa estrutura de comunicação. Se tivéssemos, com certeza estaríamos arrecadando muito mais”.

Na prática, o Pátria Voluntária derrapa no momento em que mais da metade dos domicílios enfrenta algum grau de insegurança alimentar em consequência da pandemia. A volta da fome no Brasil tem repercutido no mundo. No dia 24 de abril, por exemplo, a capa do jornal The New York Times estampou a foto da enorme fila da doação de sopa, no centro de São Paulo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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