‘O que define as eleições são as narrativas’, afirma Fernando Schüler

O cientista político e comentarista Fernando Schüler, também professor do Insper, uma escola de negócios de São Paulo, é um dos raros acadêmicos da área no País que procura analisar o cenário político de um ponto de vista independente. Segundo ele, o que define as eleições são as narrativas construídas pelos candidatos, que pouco têm a ver com a complexidade das políticas públicas. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Além da pandemia, o Brasil enfrenta hoje um quadro político econômico complicado. Neste cenário, como o sr. vê as eleições de 2022?

A grande pergunta é qual será a pauta que vai, de alguma maneira, presidir as eleições. Em 2018, a gente tinha problemas econômicos tanto quanto temos hoje. Ainda assim, a pauta econômica não foi o tema central da campanha. No momento das eleições, toda a complexidade do mundo político e econômico é aplainada e substituída por grandes narrativas. No fim, uma delas termina sendo hegemônica e ganha as eleições.

Alguns analistas dizem que a pauta vai se concentrar nas grandes questões da economia. O que o sr. pensa sobre isso?

Isso é o que eu chamo de wishful thinking (pensamento positivo). Uma pesquisa recente mostrou que, no campo das pessoas que dão suporte ao Bolsonaro, a pauta vai se concentrar em argumentos como “não nos deixaram governar”, “não conseguimos fazer o que era preciso para derrotar o sistema”, “o capitão Bolsonaro merece mais um mandato para terminar a sua obra restauradora”. Do outro lado, você terá uma grande narrativa em torno do Lula, na linha de que “já fomos mais felizes no passado”, “com o Lula, o Brasil viveu um grande momento” e “só o Lula poderá reconstruir tudo que foi destruído nos últimos anos”. Então, acredito que é otimismo demais imaginar que alguma discussão econômica séria vai pautar o grande debate eleitoral.

Entre os candidatos da chamada terceira via, qual deve ser a pauta?

Você vai ter narrativa do (ex-juiz e ex-ministro) Sérgio Moro (pré-candidato pelo Podemos) dizendo que “o Brasil precisa retomar o combate à corrupção” e “a Lava Jato foi um movimento inédito na história do Brasil, que levou à condenação de grandes políticos e empresários, mas foi abortado pelo sistema político e precisa retomar o seu fôlego”. Agora, na faixa da terceira via, haverá também uma narrativa tradicional, que eu chamaria de “gerencialista”, típica do centro liberal, cujo principal representante será o (governador paulista) João Doria, do PSDB. Ele deverá retomar a lógica de que “Brasil precisa de um choque de capitalismo”, que foi a bandeira do (ex-senador e ex-governador de São Paulo) Mário Covas, em 1989.

Considerando essas narrativas, qual a chance de Moro ou Doria chegar ao 2.º turno?

O Moro teve um crescimento quando lançou a candidatura, mas vem tendo dificuldades para continuar crescendo. Não estou dizendo que ele não possa crescer. Mas é difícil. Ele precisa de um argumento mais complexo do que esse de ter sido o juiz da Lava Jato. O combate à corrupção não é a grande pauta brasileira hoje. No caso do Doria, vejo um desafio ainda maior. Ele terá de encontrar uma forma de mostrar para um eleitorado de massa que o Brasil precisa de um gestor e de uma agenda modernizante. Seu argumento mais forte é “eu fiz a vacina, nós temos o Butantan” e “São Paulo cresce mais do que o Brasil”. O Doria também quebrou pontes com o eleitorado conservador e vai precisar dele para tirar o Bolsonaro do jogo. Ele tem estrutura, discurso e coisas para mostrar. Será um desafio e tanto.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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