Licenciamento frágil pode recriar tragédias como Mariana e Brumadinho

Dezenas de organizações sociais e ambientais enviaram uma carta ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para que abra discussões públicas a respeito do projeto de lei do licenciamento ambiental que acaba de chegar à casa, depois de ser aprovado pela Câmara. No documento, as organizações alertam que o texto contém uma série de mudanças que flexibilizam a fiscalização ambiental e abrem espaço para decisões locais que, se não forem reavaliadas, poderão abrir espaço para ocorrência de novas tragédias históricas, como o rompimento das barragens de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019.

“O projeto de lei que agora está sob a apreciação do Senado Federal evidencia um profundo desconhecimento sobre a relevância da devida avaliação de impactos ambientais como ferramenta imprescindível para a garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito assegurado na Constituição Federal”, afirmam as instituições civis. “A visão predominante e bastante equivocada é de que a licença ambiental constitui mera barreira a ser afastada.”

As organizações se referem ao PL 3.729/2004, que seu texto-substitutivo relatado pelo deputado Neri Geller (PP-MT) e aprovado por 300 votos, contra 122, na Câmara, sendo amplamente apoiado pela bancada ruralista. Geller nega que o projeto flexibiliza licenciamento de projetos de alto impacto ambiental e diz que apenas retirou a “ideologia” ambiental dos processos.

Para as organizações do setor, trata-se da pior proposta já apresentada desde que o projeto de lei começou a tramitar, há 17 anos. O texto final foi encaminhado ao plenário da Câmara de Deputados sem passar por qualquer debate público com a sociedade, tendo sido enviado às organizações apenas cinco dias antes de sua votação pelo plenário. Nenhum proposta de emenda foi acatada na versão final.

“Nos sentimos na obrigação de testemunhar para as senhoras e os senhores como a flexibilização da legislação em Minas Gerais ampliou os danos ambientais, os riscos, as violações, os conflitos sociais e a insegurança jurídica associados aos megaprojetos, através do documento que enviamos em anexo para o qual requeremos especial atenção”, afirmam as instituições. “Nosso testemunho é um alerta para a gravidade do que pode vir a acontecer em todo o país caso esse projeto tramite no Senado sem o devido cuidado e venha a ser votado muito rapidamente, sem a devida transparência e debate com a sociedade.”

Uma das mudanças incluídas no projeto repassa a Estados e municípios a função de estabelecer qual será o procedimento local de licenciamento para uma série de obras. O receio é de que possa haver uma corrida para atrair mais projetos, abrindo mão de processos mais rigorosos. “Um licenciamento ambiental com regras claras e participação efetiva de todos os atores envolvidos contribui para a correta avaliação da viabilidade, que antecipa e previne muitos problemas posteriores, inclusive desastres. Garante assim um desenvolvimento de verdade, com manutenção da qualidade de vida e prosperidade para todos”, declaram. “A flexibilização geralmente visa só os interesses econômicos pontuais e imediatos, é responsável por grandes impactos e permanentes ameaças e leva à desresponsabilização de determinados atores sobre seus atos, como comprovado nos processos de reparação de danos depois dos rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho.”

As organizações pedem que Rodrigo Pacheco determine a tramitação do projeto por comissões permanentes do Senado, como as comissões de Assuntos Econômicos, Assuntos Sociais, Constituição e Justiça, Direitos Humanos e Legislação Participativa e Meio Ambiente. Este seria o caminho básico para uma discussão aberta sobre as mudanças, para que então o tema fosse levado ao plenário.

A tramitação não tem data para ocorrer. Se passar pelo Senado sem alterações, o projeto segue para sanção presidencial. Se tiver mudanças, é preciso que essas mudanças sejam votadas novamente pela Câmara.

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