Gestão Bolsonaro já cortou questões do próximo Enem
Na segunda-feira, 15, em meio à crise dos 37 pedidos de exoneração de servidores do Inep, que criticaram essa pressão e a “fragilidade técnica” da cúpula da autarquia responsável pelas provas, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Enem começa agora a “ter a cara” do governo. Acrescentou que “ninguém precisa estar preocupado com aquelas questões absurdas do passado”. O vice-presidente Hamilton Mourão negou nesta terça, 16, interferência, com a alegação de que esse era o jeito de o presidente falar. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, primeiramente, afirmou que teria acesso prévio às perguntas. Depois, recuou. Ontem, disse que “não houve interferência”.
Na realidade, o Inep passou a imprimir a prova previamente, em um procedimento não adotado em anos anteriores, para permitir que mais pessoas tenham acesso ao exame antes da aplicação. Quem examinou uma primeira versão foi o diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep, Anderson Oliveira – que está no cargo desde maio. Segundo relatos à reportagem, 24 questões foram retiradas após uma “leitura crítica”. Algumas foram consideradas “sensíveis”.
As comissões de montagem da prova sugeriram outras perguntas para substituí-las, mas o Enem acabou descalibrado – o exame tem uma quantidade de questões consideradas fáceis, médias e difíceis. Assim, 13 das questões suprimidas foram reinseridas. Oliveira não quis dar entrevista. Em 2020, segundo apurou o Estadão, um dos que entrou na sala segura para ver as questões foi o general da reserva Carlos Roberto Pinto de Souza, ex-comandante do Centro de Comunicação do Exército. Ele morreu de covid e foi substituído pelo tenente-coronel-aviador Alexandre Gomes da Silva.
As questões são feitas por professores contratados. Segundo servidores, porém, o atual presidente do órgão, Danilo Dupas, deixou claro que a prova não poderia ter perguntas consideradas inadequadas pelo governo. Essa pressão era entendida por servidores como um assédio moral e fez parte das denúncias. Eles afirmaram ainda que o clima de pressão atual já levou a uma autocensura dos grupos que escolhem as questões.
HISTÓRICO
A intenção do governo de mexer no Enem paira no Inep desde a eleição de Bolsonaro, em 2018, quando ele criticou uma questão que mencionava um dialeto de gays e travestis. A então presidente do Inep era Maria Inês Fini, que criou o exame no governo Fernando Henrique e voltara ao órgão na gestão Temer. Ela conta que sempre leu o Enem antes porque esse era o seu papel, mas no computador e em “um trabalho técnico e não fiscalizador”. “Essa coisa de considerar questões sensíveis nunca existiu”, diz. “Hoje, quem está lendo não entende nada de avaliação.” A reportagem consultou outros ex-presidentes e todos afirmaram nunca analisar a prova previamente. Procurado sobre o assunto ontem, o Inep não se manifestou.
COMISSÃO
No primeiro ano do governo Bolsonaro, uma comissão foi criada para avaliar a pertinência do Banco Nacional de Itens do Enem com a “realidade social” do Brasil. O ministro da Educação à época, Abraham Weintraub, afirmou que as questões não viriam carregadas “com tintas ideológicas”. Essa comissão chegou a desaconselhar, em 2019, o uso de 66 questões por promover “polêmica desnecessária” e “leitura direcionada da história” ou ferir “sentimento religioso”.
Neste ano, houve nova tentativa de criar comissão para avaliar as questões. O Inep preparava uma portaria para formar um grupo permanente que deveria barrar “questões subjetivas”. A ideia era que se abstivesse de “itens com vieses político-partidários e ideológicos”. O caso foi levado ao Ministério Público Federal, que recomendou, em setembro, que o Inep desistisse dessa comissão. Em resposta, o órgão afirmou que a recomendação foi atendida.
CONVOCAÇÃO DOS SUPERVISORES DE PROVAS ATRASOU
A quatro dias do Enem, os servidores do Inep que farão o monitoramento da prova nos Estados ainda não foram convocados para o trabalho nem tiveram passagens compradas. Eles fazem parte de um grupo de logística que acompanha a liberação dos malotes para os locais de prova em todas as capitais. No dia do exame, ficam em um centro de controle e recebem alertas sobre a aplicação a todo instante.
A convocação deveria ter sido feita antes, com capacitação e um curso online para os funcionários designados. Eles atuam como um “ponto focal” do Inep nos Estados, disse um dos servidores que já participou desse monitoramento em anos anteriores. Nesta edição, ainda não recebeu aviso sobre a viagem. “Seria um grande risco se não acontecesse”, afirmou. Esses funcionários nos Estados trabalham em conjunto com as empresas aplicadoras, as polícias e os Correios. Em casos complicados, como suspeitas de vazamentos da prova, devem acionar imediatamente os superiores. Também resolvem problemas, como falta de energia em uma região ou falhas do consórcio contratado para a aplicação. O trabalho começa às 8 horas e vai até as 22 horas.
Segundo apurou o Estadão, a definição da equipe que vai aos Estados ocorreu só na sexta à tarde. Houve demora, de acordo com funcionários, porque o presidente do órgão, Danilo Dupas, quis mudar a composição das equipes de monitoramento. A intenção dele teria sido a de não participar do grupo responsável por toda a logística e segurança no dia da prova. Ele acabou desistindo, mas as discussões sobre a possibilidade jurídica dessa mudança acabaram impedindo que se definissem as equipes regionais. Com a demora, o custo das passagens vai aumentar. “Essa morosidade onera a administração pública”, disse uma servidora.
Na edição passada do Enem, 26 foram enviados para os Estados, conforme mostra o plano de ação aprovado pelo Inep. Em geral, a viagem é feita na véspera do exame, mas a definição sobre quem vai participar ocorre antes.
Para esta edição, a previsão era de que os planos de ação, com a escala dos servidores em cada área para atuar no Enem, estivessem prontos até o dia 12 e o planejamento geral consolidado, com as tarefas dos servidores convocados, até o dia 19. Indagado sobre a convocação dos servidores, o Inep não respondeu.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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