‘Estratégia ambiental do governo é míope e de curto prazo’

A estratégia ambiental do governo é míope e equivocada, deixando o Brasil em posição subalterna em relação aos Estados Unidos, à China e à Europa – os grandes responsáveis pelo aquecimento global. A avaliação é de Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira e ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura no governo FHC.

Apesar do avanço do desmatamento, Camargo Neto diz que o Brasil está numa posição até vantajosa em relação a esses países quanto à questão climática por ter matriz energética limpa, com hidrelétricas, carros a álcool e a biodiesel. Com isso, teria condições de adotar uma estratégia diferente na cúpula global sobre a mudança climática, marcada para o fim deste mês nos EUA.

Em vez de pedir dinheiro aos países ricos, o governo, na sua opinião, deveria pressionar outras nações a fazerem sua parte para o combate do aquecimento global.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. vê a situação do agronegócio e da pauta ambiental?

Há polarização geral no País e no agronegócio, que afeta até a pauta ambiental. Tem uma parte que defende o governo Bolsonaro, independente de qualquer coisa. E outra parte que o contesta. A polarização tem impedido debates construtivos.

Como o agronegócio vem lidando com a sustentabilidade e a redução do desmatamento?

Todo mundo tem a questão da sustentabilidade como uma preocupação. A questão climática ganhou projeção com a eleição do Biden (Joe Biden, presidente dos Estados Unidos). A conferência do clima da ONU, no fim do ano, terá grande influência no setor. A Europa tem pautado sua política agrícola na questão ambiental, e os Estados Unidos estão caminhando nesse sentido. E a gente está aqui ou brigando pelo desmatamento ou pedindo dinheiro. É o que o governo tem feito. O Salles (Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente) esteve em Madri e pediu dinheiro, quando apresentou a meta no Acordo de Paris de neutralidade nas emissões de gases de efeito estufa. Vejo isso como equivocado, porque o Brasil e a agricultura brasileira correm risco muito grande por conta do aquecimento global.

Como assim?

O aquecimento global, que ainda não chegou a 1,5 grau acima do nível pré-industrial, já abriu áreas de produção na Rússia que antes eram geladas. No Brasil, temos cinco biomas e podemos ter mudanças no regime de chuvas que podem colocar em risco a produtividade de regiões inteiras. O aquecimento global pode colocar em risco a agricultura brasileira ou parte dela.

Como tratar essa questão?

O Brasil tinha de ter uma estratégia. Quem está causando esse aquecimento global não é o País. São os EUA, a China e a Europa. A perda de produtividade de duas safras é um prejuízo muito maior do que qualquer coisa que se possa obter com crédito de carbono.

A estratégia é equivocada?

É totalmente equivocada, míope e de curto prazo. EUA, China e Europa estão causando o desastre e preocupados em não continuar causando. Estão reduzindo a emissão de gases de efeito estufa, fazendo investimentos milionários no carro elétrico, por exemplo. Nós, que podemos sofrer o desastre que eles estão provocando e podemos pagar o pato, parece que não estamos preocupados. Estamos vendo como oportunidade para ganhar dinheiro.

Como mudar isso?

Precisaria ter consciência. O aquecimento global é sério. Como o País está numa posição até vantajosa, pois temos uma matriz hídrica na energia elétrica, carro a álcool, biodiesel, teríamos de pressionar fortemente Europa, China e EUA para fazerem a parte deles. Nós teríamos de estar numa posição de força, pressionando, e não querendo passar o pires. O aquecimento global não é gripezinha. É algo sério, mas existe o negacionismo, o mesmo que há em relação à covid-19.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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