Em Deodoro, floresta vira unidade de conservação e impede novo autódromo no Rio
Na primeira votação, o projeto de criar uma Revis na floresta foi aprovada por ampla margem: 37 a 1. O único voto contrário foi do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro. Na segunda, a decisão foi unânime: 43 a 0. Até opositores ao projeto acabaram mudando de lado. Carlos não participou da votação.
A decisão agora precisa ser sancionada pelo prefeito Eduardo Paes. Será apenas uma formalidade porque o prefeito ajudou a mobilizar sua base na própria votação. No início do ano, Paes desistiu oficialmente do plano de construir o novo autódromo no local da floresta. A ideia havia sido promovida pelo seu antecessor no cargo, Marcelo Crivella, e contava com os apoios do então governador Wilson Witzel, afastado do cargo, e do presidente Bolsonaro.
Antes da decisão de Paes, a primeira grande derrota do projeto, o plano de construir o autódromo já vinha enfrentando dificuldades para obter o licenciamento ambiental. O pedido acabou sendo arquivado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a pedido da prefeitura, que era parte nesta solicitação.
“Não há possibilidade de derrubar aquela floresta porque isso traria um prejuízo ao ciclo da água, ao ciclo do gás carbônico, do oxigênio. Quando você interrompe o ciclo da água, com a retirada da floresta, você altera o regime de chuvas, o que provoca enchentes no local. O prejuízo que nós teríamos para o local seria muito grande em termos de ecossistema”, explicou o vereador Célio Lupparelli, um dos autores do projeto do Revis.
A Floresta do Camboatá conta com cerca de 200 mil árvores e é considerada a última a contar com mata atlântica original em terreno plano na cidade do Rio. “A cidade cresceu se espalhando pelas áreas de baixada e as florestas nestes locais foram praticamente dizimadas na cidade. Ela é a ultima remanescente, por isso é tão importante”, explica ao Estadão Cyl Farney, pesquisador do Jardim Botânico e doutor em ecologia.
Estudo elaborado pela empresa de consultoria ambiental Terra Nova, contratada pela vencedora da licitação para erguer o autódromo, a Rio Motorsports, já mostrava em 2019 que haveria 31 impactos ambientais na floresta, entre espécies de fauna e flora, algumas correndo risco de extinção. “O Camboatá é um pequeno oásis, uma joia, na zona norte do Rio”, reforça Farney.
O especialista explica que, com o manejamento adequado, será possível recuperar as partes degradadas da floresta a partir da decisão de tornar o local uma unidade de conservação. “Temos a possibilidade de devolver à riqueza para essa área. Toda vez que nos aprofundamos na pesquisa, encontramos mais espécies lá. Deve ter espécies lá que não catalogamos ainda.”
Com o status de Refúgio de Vida Silvestre, a floresta terá acesso mais restrito. “O acesso será mais controlado. Esse refúgio vai servir para as espécies, principalmente as ameaçadas de extinção, se reproduzirem”, diz Felipe Cândido, principal líder da ONG SOS Floresta do Camboatá.
Cândido, que fundou a entidade há exatos 10 anos, celebrou a decisão da Câmara de Vereadores. “Isso foi um reflexo de muito trabalho, que já dura uma década no movimento para proteger a floresta, algo que reuniu a sociedade civil, técnicos, artistas, jornalistas. É a união de várias forças”, afirma.
Procurada pela reportagem, a Rio Motorsports afirmou que não vai se manifestar sobre a decisão da Câmara.
O projeto de construção do novo autódromo carioca na área onde está a Floresta do Camboatá foi liderado pelo empresário mineiro JR Pereira, com o apoio de Crivella e Witzel em 2019. Em maio daquele ano, o plano se fortaleceu ainda mais com o reforço de Jair Bolsonaro. Na época, o presidente disse que o GP brasileiro de Fórmula 1 iria voltar para o Rio em 2021 com “99% de certeza ou até mais”.
A entrada do presidente na disputa entre o Rio e São Paulo se estendeu para a área política, tendo o governador João Doria como seu principal opositor. Em 2019, o GP brasileiro, realizado em Interlagos, em São Paulo, desde 1990, ainda negociava a renovação do seu contrato com a F-1. O vínculo se encerraria em 2020. A “novela” acabou somente em dezembro, há quase um ano, quando a categoria enfim renovou o contrato com a capital paulista por cinco anos.
Comentários estão fechados.