Dona da Crefisa, Leila Pereira se mexe para chegar à presidência do Palmeiras
As marcas de suas empresas são estampadas na camisa do Palmeiras desde 2015. Com dinheiro e conquistas do time, Leila se tornou poderosa nas alamedas do clube. Ela tem tudo para assumir o comando do Palmeiras nos próximos três anos a partir de dezembro. Suas empresas vão superar investimentos de R$ 1,2 bilhão ao clube. Não há rivais declarados por enquanto no pleito. Seria a primeira mulher a dirigir o Palmeiras em sua história. A empresária vem construindo um caminho legítimo para se tornar presidente. Ela não poupa esforços na parceria. Além de colocar dinheiro, também coloca seu patrimônio à disposição do clube, como um avião particular que sempre está de tanque cheio para buscar ou levar jogadores importantes em jogos importantes do time. Desde sempre ela alimenta o sonho de comandar o Palmeiras, embora no começo do namoro dizia que “jamais seria presidente do clube, que estava mais interessada em suas empresas”.
De 2015 para cá, isso mudou e Leila Pereira se tornou gigante nas alamedas verdes do Palmeiras. Favorita para substituir Maurício Galiotte no próximo triênio, Leila está motivada para fazer do Palmeiras o melhor time do País, talvez da América, o que já é pela conquista da última Libertadores, e levar sua bandeira para os quatro cantos do planeta. Ganhar um Mundial é uma obsessão. Para tal, sonha com novas conquistas da América e o caneco do campeonato de Clubes da Fifa. Está tão à vontade no clube que não teme cobranças ou desconfianças caso seja mesmo a vencedora do pleito marcado para o fim deste ano. Sua vitória é tão certa que ainda não há candidatos para enfrentá-la.
“Deveriam focar não em quem coloca dinheiro no clube e, sim, em quem gasta irresponsavelmente. E não vejo conflito nenhum (em ser patrocinadora e presidente). Se houver alguma situação que envolva a Crefisa, encaminho para o Conselho Deliberativo, e o que ele decidir vai se cumprir”, afirmou Leila em entrevista na rádio Capital em que o Estadão participou, já antecipando uma das principais questões de sua candidatura à presidente. Ela estará dos dois lados da mesa, de patrocinadora e de patrocinado, e isso pode trazer desconfortos na hora de decidir. Daí a importância de um Conselho Deliberativo forte, mesclado e independente.
Para evitar possíveis falácias, ela até antecipou a renovação do patrocínio como “presente de aniversário do clube” ao ampliar o acordo por mais três anos, portanto, uma parceria que começou em 2015 só terminará agora em 2024. “Nas eleições, esse assunto do patrocínio estará sacramentado. É importante deixar claro que o valor permanecerá sendo o maior do futebol sul-americano.” Serão R$ 81 milhões por ano, com cotas de premiações que podem atingir R$ 120 milhões em caso de conquistas. Repetir a tríplice coroa de 2020 seria uma boa maneira de o clube embolsar uma bela grana a mais. Na época, foram R$ 22 milhões de adendos com as taças do Paulistão, Libertadores e Copa do Brasil. Leila vem procurando ser a mais transparente possível para evitar denúncias infundadas e desconfiança.
Estar dos dois lados da mesa é uma situação incomum no futebol brasileiro. Mas na visão de profissionais do marketing esportivo ouvidos pelo Estadão, pode ser algo interessante para um clube de futebol desde que as coisas sejam muito bem separadas. Seu nome não pode estar dos dois lados dos documentos, por exemplo. Leila vai ter de se dividir em duas para evitar aborrecimentos e acusações, além de pressão desnecessária, algo perigoso no mundo da bola. Contra os conflitos, a recomendação de especialistas é para ser apenas a presidente neste momento. E antes de assumir, apresentar as contas da parceria, numa espécie de ‘declaração de imposto de renda’ com todos os investimentos, ganhos, dívidas, reembolsos…
“O mais apropriado seria ela se desligar do dia a dia da empresa no período em que for presidente do Palmeiras, se eleita. Avalio que há uma incompatibilidade de cargos para você gerir ao mesmo tempo. Então, se fosse eu, me desligaria da Crefisa/FAM, enfim, do grupo, para ter dedicação total ao clube, pois como a Crefisa é patrocinadora do Palmeiras, ela ser presidente do clube pode gerar conflitos de interesses”, enfatiza Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports e professor no MBA de Gestão e Marketing Esportivo da Trevisan Escola de Negócios.
“À medida que a Leila passe a ocupar uma posição de ainda maior exposição no clube, pode ser que exista algum tipo de divergência política, como é normal no dia a dia de qualquer instituição grande como é o caso do Palmeiras e também da Crefisa. O ideal é que se crie regras de governança corporativa para que a mesma pessoa, a própria Leila, na medida do possível, não vista o boné de patrocinadora e também o boné de presidente do clube, pois isso poderia ser alvo de conflito”, avalia Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM, de São Paulo.
“Com a criação de regras para que essa boa relação seja estabelecida, sem dúvida nenhuma o Palmeiras tem a ganhar, afinal de contas ele tem alguém que é tão apaixonada pelo Palmeiras que não só quer dedicar seu tempo, sua vida e sua inteligência ao clube, como também já mostrou que sua paixão não a impede de colocar dinheiro, investir, fazer quase um papel de banco lá dentro. Há alguns milhões de reais que o clube deve para ela.”
CONSTRUÇÃO – Aporte financeiro para contratação de grandes nomes realmente é o carro-chefe para a ‘torcedora’, que certo dia quis “fazer algo de verdade” pelo clube, conquistar a simpatia e a confiança de diversas alas palmeirenses, que nunca foram tão unidas quanto agora. No futebol, não há como questionar títulos e vitórias e, graças à parceira, o Palmeiras deu diversas voltas olímpicas de 2015 para cá e continua como um dos times com melhor elenco e força no País. Hoje, não apenas com contratações feitas diretamente pela Crefisa, que recebeu multa da Receita Federal por isso e teve de refazer seus acordos com o clube em 2019. Mesmo assim, é inegável que seu dinheiro mudou o patamar do Palmeiras.
A parceira empresta valores ao clube com juros irrisórios, alguns nem são cobrados, e apenas pega de volta o dinheiro caso o clube negocie o atleta comprado. Nesses moldes desde 2019, a Crefisa ainda tem R$ 160 milhões a receber por jogadores que não saíram, como Borja, maior investimento, cerca de US$ 10 milhões (hoje R$ 53 milhões) e Lucas Lima, adquirido por R$ 17,5 milhões junto ao Santos. Ambos não fazem mais parte do elenco, mas ainda têm contratos presos ao Palmeiras. Borja está no Grêmio. E Lucas Limas, no Fortaleza.
Com seu jeito, Leila foi esmagando a oposição. Alguns foram “colocados” para fora mesmo da briga política e outros passaram a comer em sua mão. Ela juntou grupos que pareciam ficar separados até a morte. Ela trouxe a torcida organizada para perto dela, com ajuda financeira nos carnavais e reformas de quadras. Tudo isso faz parte de uma construção de imagem dentro do clube. Agora, depois de seis anos, ela colhe os frutos. Tudo o que ela faz no Palmeiras é mais bem feito, mais grandioso e mais barulhento. Foi assim suas campanhas para conselheira.
DÍVIDA, REFORÇOS E TÍTULOS – Tudo começou em 2015 com um patrocínio de R$ 23 milhões anuais, na época o maior do futebol brasileiro. Atualmente está em R$ 81 milhões. Mesmo não abrindo mão de receber os R$ 160 milhões que o Palmeiras lhe deve, Leila “esquece” esses valores para só pensar em seguir elevando cada vez mais o patamar da equipe. “O Palmeiras tem totais condições de cumprir com esses compromissos. Vai cumprir, não tenho dúvida alguma. O investimento que foi feito girou em torno de R$ 160 milhões, não tenho de cabeça o número exato. Uma parte dessa dívida já foi paga, porque ela é garantida pelos ativos, que são os jogadores”, minimiza a parceira e conselheira mais votada no último pleito, com 387 votos. Nas alamedas do clube, quando está lá, ela não para de acenar para as pessoas. Todos querem apertar sua mão.
“No momento em que um grupo empresarial ou uma pessoa resolve emprestar dinheiro para um clube de futebol, são solicitadas garantias. Se o grupo ou pessoa se sente à vontade com as garantias pré-estabelecidas e resolve emprestar o dinheiro, é uma decisão dele”, afirma Wolff. “Eu acredito que, antes de tudo, ela (Leila) deve agir desligada do grupo em que atua hoje, suas empresas. Reforço que minha opinião é ela se manter focada no Palmeiras, tomando as decisões que são as melhores para o clube, pois acho que isso seria o melhor para o time.”
Se eleita, sua rotina também vai mudar e talvez ela só tenha tempo para o Palmeiras mesmo. Terá uma sala chique no prédio dos fundos do clube e dali dará expediente todos os dias. As vitórias é glórias são parte pequena (e boa) do trabalho de um presidente, que passa o dia resolvendo problemas e atendendo ou não pedidos de seus associados. Há, sem dúvida, o clube social para gerir. Muitas reformas estão sendo feitas nesse sentido. Quem passar hoje na Rua Palestra Itália vai encontrar o portão principal destruído. O clube virou um grande canteiro de obras, muitas delas já entregues.
“Se existe um risco maior, esse risco quem está tomando é a própria Leila ao assumir essa posição que, sem dúvida, não é nunca de decisões unânimes. Ela vai ter de lidar bem com isso. Mas para o clube não existem grandes riscos. Ao contrário, vai ter alguém ali com bom preparo, boas intenções e que já provou o amor para o Palmeiras não só pelas diversas declarações, muita vez emotivas, mas também pelo próprio dinheiro efetivamente depositado no clube”, acredita Ivan Martinho. Leila tem ainda boas recomendações administrativas trazidas em seu currículo pelas empresas que tem.
Corneteira e sem papas na língua, terá de mudar sua postura caso assuma a cadeira. Ela já entrou no gramado do Allianz Parque para “cobrar pênalti”, por exemplo, e mostrar que é quase impossível perder uma cobrança pelo tamanho do gol. Prenúncio? Viu o time perder o terceiro lugar no Mundial da Fifa nos tiros livres e amargar os vices da Recopa Sul-Americana e da Supercopa do Brasil também com falhas nas penalidades.
Do outro lado, terá de ser menos crítica e “cumprir” uma das mais estranhas cláusulas de contrato de reforços adquiridos pela Crefisa. O venezuelano Guerra desembarcou no clube no fim de 2016, por R$ 21 milhões, com um item no contrato “obrigando” o presidente Maurício Galiotte e a diretoria a sempre elogiarem o reforço em entrevistas. Guerra ainda pertence ao Palmeiras, embora não esteja no elenco. Terá de ser conciliadora e talvez ouvir mais do que falar para não ser cobrada depois.
Para a “Missão Libertadores”, logo após conquistar o Brasileirão de 2016, a Crefisa ainda abriu os cofres e buscou o colombiano Borja, então campeão com o Atlético Nacional e com proposta milionária da China. Era um jogador badalado. Contratação mais cara da história do clube, ele custou US$ 10 milhões (mais de R$ 53 milhões atualmente, por 70% dos direitos) e até hoje não fez valer o investimento. Emprestado ao Grêmio, o colombiano é, na verdade, um dos motivos para a alta dívida do clube para com a parceira. Assinou por cinco anos e jamais decolou.
Mesmo não investindo mais em jogadores (agora faz empréstimos para a chegada de atletas), a Crefisa ainda conta com alguns atletas no atual elenco, casos de Dudu, Luan e Deyverson. Todos têm ótimo potencial de mercado e podem reorganizar o caixa da parceira em futuras negociações. Mas também há as frustrações, caso de Lucas Lima. Outros já retornaram o investimento, como Bruno Henrique, Juninho, Fabiano e Carlos Eduardo.
ALIADA DA MANCHA – O principal torneio do continente, por sinal, é um dos grandes motivos para Leila Pereira ter forte apreço pelos torcedores da principal torcida do Palmeiras. O famoso verso “Copa Libertadores é obsessão” vindo das arquibancadas virou lema da parceira. Ela sempre prometeu fazer de tudo para o clube brilhar no sonho verde. Já ganhou uma vez a competição e está na briga para vencer a segunda. Terá de passar pelo Atlético-MG na semifinal.
Sempre que pode, Leila convoca a torcida para os jogos da Libertadores e depois faz questão de parabenizar os torcedores pelos espetáculos, ainda fora do estádio, por veto do governo em função da pandemia nesse momento. São os chamados e iluminados “corredores verdes”, aglomeração de risco por causa da covid-19. Ela tem ligação direta com a alta cúpula da Mancha, por exemplo, e não pensou duas vezes na hora de colaborar no carnaval da escola. Foram R$ 3,5 milhões de investimento e o primeiro título, em 2019, com desfile rico e luxuoso. Não parou mais. Virou uma segunda paixão.
Leila é assim, “generosa, polêmica e ousada”. Para ela, não há dinheiro que pague a alegria do torcedor com uma conquista. Ela investe pesado, pois também é uma satisfação pessoal para ela, diz. Mesmo no começo da parceria, resolveu arcar com R$ 8 milhões para reformas na Academia de Futebol para dar mais condições de trabalho aos jogadores, como disse na época. Deixar o Palmeiras forte é uma maneira de angariar apoiadores e crescer como parceira, dirigente e empresária. Ela tem o respeito de muitos no clube, mas também é tida por alguns como esnobe, prepotente, arrogante e intimidadora. Se eleita, terá de governar para todos.
Mesmo ex-jogadores famosos e que não se metem em política no Palmeiras parecem estar do seu lado, como o goleiro Marcos. “Um dia você me falou sobre seu sonho de ser presidente do Verdão. Nunca me meti em política no clube, continuo assim, mas se por acaso seu sonho se realizar, acredito que fará um excelente trabalho”, postou São Marcos em suas redes sociais.
O apreço de Leila é grande entre os palmeirenses, mas também de quem esteve do outro lado, como o corintiano declarado Neto. Crítico rigoroso e duro com gestores de futebol, sobretudo os do Corinthians, o ex-jogador e apresentador não poupa elogios para o trabalho dela no Palmeiras. Na visão de Neto, a parceria de sucesso com a Crefisa devia render um busto aos investidores e servir de modelo para muitos clubes.
“Olha o que o Palmeiras já ganhou com a Crefisa. E pode ganhar ainda mais. O que essa mulher fez pelo Palmeiras, não sei se outro patrocinador já fez por algum clube”, disse, em seu programa na Band. “Se tem uma coisa que o Brasil precisa é de gente igual à Leila e ao marido dela. Eles merecem um busto no Palmeiras, colocaram o Palmeiras em outro patamar no futebol. Tanto que, em duas eleições, ela já é a conselheira mais votada. E vai virar presidente.”
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