Depois do Rio e SP, quatro Estados veem surtos de gripe; Bahia registra 1ª morte
Especialistas apontam relação com a baixa cobertura vacinal. Por causa da pandemia de covid-19, muitas pessoas deixaram de se vacinar na campanha nacional contra o influenza, realizada pelo Ministério da Saúde de abril a julho deste ano. Também lembram que a flexibilização das medidas contra a covid permitiu uma ação mais ampla do vírus da gripe, mesmo fora de época.
A Secretaria de Saúde da Bahia confirmou, nesta quinta-feira, 16, o primeiro óbito pelo vírus A H3N2. A paciente, uma idosa de 80 anos, estava internada em hospital privado de Salvador e morreu devido às complicações causadas pela variante do vírus. Conforme a pasta, ela estava vacinada com as três doses contra a covid-19, mas não havia tomado a vacina contra a gripe. A paciente tinha diabete e doença cardiovascular.
Até a manhã desta quinta-feira, 16, foram registrados 174 casos de síndrome gripal com resultado positivo para Influenza A H3N2 em todo o Estado. Do total, 48 pacientes evoluíram para a síndrome respiratória aguda grave e precisaram de internação. A capital, Salvador, concentra a maioria dos casos – 144 – e de internações – 46. Outros pacientes estão internados em Camaçari e Lauro de Freitas. O aumento no número de pessoas com sintomas levou à formação de filas em algumas unidades de pronto-atendimento da capital baiana.
A Vigilância Epidemiológica estadual alertou as equipes para intensificar as ações de prevenção, incluindo a vacinação nos municípios que ainda têm estoques do imunizante, com foco nos grupos prioritários não vacinados durante a campanha de 2021. “A forma mais eficaz de mitigar o surto é aumentar a vacinação para influenza, higienizar as mãos e continuar usando máscara”, disse a pasta. A prefeitura de Salvador fará mutirão para aplicar a vacina nesta sexta-feira, 17. A capital vacinou apenas 58% do público-alvo até agora, quando a meta é 90%. Por conta da ação emergencial, a vacinação contra a covid-19 será suspensa nesse dia.
A Secretaria da Saúde do Espírito Santo informou que está avaliando o cenário de possível epidemia de influenza, depois de registrar aumento no número de casos no Estado nas duas últimas semanas. Conforme a pasta, em outubro a taxa de positividade era de 0,04% e, em dezembro, até o último dia 13, a taxa subiu para 7,3% em todo o estado e continuava em tendência crescente. Unidades de saúde da Grande Vitória – a capital e municípios do entorno – registraram filas de pessoas com sintomas.
A pasta pediu à população para evitar a ida à unidade de saúde em caso de sintomas leves. A coordenadora do Programa Estadual de Imunizações e Vigilância das Doenças Imunopreveníveis, Danielle Grillo, alertou que, caso a pessoa comece a sentir falta de ar, associada aos sintomas gripais, a orientação é procurar de forma imediata um serviço de emergência. Os sintomas de gripe podem ser confundidos com os da covid-19.
A gestora lembrou a importância de se vacinar contra a covid e também contra a gripe, já que a pessoa imunizada geralmente apresenta sintomas leves, se contrai a doença. Ela alertou para o baixo índice de cobertura vacinal na população idosa que, este ano, atingiu 75,9% do público alvo, a menor taxa em 13 anos. Nesta quinta, o Estado dispunha de 460 mil doses de vacina, suficientes para atender toda a população idosa.
O surto de gripe chegou também ao Amazonas. A Secretaria de Saúde local divulgou alerta sobre o aumento na circulação do vírus Influenza A e pediu às pessoas que fiquem atentas aos sintomas. Dados da Fundação de Vigilância em Saúde mostram que o número de casos de H3N2 no estado passou de 140 em novembro para 325 nos primeiros 15 dias de dezembro. Além da capital, houve casos em Manacapuru, Parintins, Iranduba e Tefé.
Na segunda-feira, 13, a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas emitiu nota técnica de alerta sobre a circulação do vírus A H3N2 e do Vírus Respiratório Sincicial (VRS). De acordo com o diretor técnico Daniel Barros, as orientações visam ao monitoramento, notificação e tratamento indicados pelo Ministério da Saúde. “Com a detecção da circulação do vírus da influenza A, alertamos toda rede para que fique ainda mais sensível diante de sintomas respiratórios”, disse. A nota recomenda tratamento com o antiviral Tamiflu após suspeita clínica.
Por causa do surto, foram distribuídos 172 mil kits de tratamento com o antiviral para a rede de saúde do Amazonas. O último caso de influenza A no estado havia sido identificado em 2019. Conforme o gestor, o retorno da detecção desse vírus é preocupante e requer a colaboração da população para conter a transmissão, tanto se vacinando quanto evitando sair de casa com sintomas.
Em Rondônia, o aumento nos casos de gripe foi detectado em Porto Velho. A Secretaria Municipal de Saúde informou ter designado salas específicas para atendimento de pacientes com sintomas gripais em sete unidades de saúde da capital. Conforme a pasta, a maioria dos casos é de natureza leve. Os números não estavam disponíveis nesta quinta-feira, devido a problemas no sistema informatizado da saúde. Na quarta, 15, à noite, foi realizado um drive-thru de vacinação contra a gripe no Prédio do Relógio.
Clínicas particulares da Bahia e do Espírito Santo, além de São Paulo e Rio de Janeiro, já registraram aumento na procura por imunizantes contra a gripe, segundo a Associação Brasileira das Clínicas de Vacina (ABCVac). Segundo o presidente Geraldo Barbosa, houve relatos de falta de vacina nos postos, mas o mercado privado ainda tem doses da campanha do começo de 2021, por isso pode manter a oferta de imunizantes. Ele alerta que as pessoas que se vacinarem agora devem se imunizar novamente na próxima campanha, nos postos ou nas clínicas, pois os imunizantes para a gripe são atualizados anualmente para novas cepas.
Em outros estados, há preocupação com o avanço do vírus. Acre, Amapá e Maranhão aparecem no sistema Infogripe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que monitora os casos de síndrome respiratória aguda grave, com mais de 95% de probabilidade de terem aumento nos casos de influenza. No Rio Grande do Sul, foram registrados cinco casos de influenza A H3N2 em dezembro, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. No entanto, ainda não é possível afirmar que se trata da variante Darwin, pois o sequenciamento genômico não ficou pronto.
A Secretaria Municipal de Saúde de Belém confirmou um surto de gripe na capital, após registrar a superlotação de unidades de emergência de pacientes com sintomas gripais. Conforme a pasta, o número de casos dobrou nas últimas 72 horas e a vacinação foi reforçada em todas as unidades – podem ser imunizadas desde crianças a partir de seis meses de idade. A Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará, no entanto, não confirmou o surto, alegando não terem sido registrados casos de H3N2. A cobertura vacinal contra a gripe no estado é de 80% este ano.
No Ceará, a Secretaria de Saúde do Estado ampliou o alerta para identificação dos vírus respiratórios, a fim de detectar os casos de influenza A H3N2. Uma nota informativa foi publicada nesta quinta-feira, 16, mas a pasta afirma que a medida é preventiva, “diante do cenário apresentado em outros estados brasileiros, que vivenciam epidemias de influenza neste fim de ano”.
De janeiro a 4 de dezembro, foram notificados 67.762 casos de síndrome respiratória aguda grave no estado. Desses, três foram confirmados como influenza, sendo um como A H3N2. O paciente, um homem de 76 anos, foi internado, mas já recebeu alta. O índice de vacinação, de 76% da população alvo, é o mais baixo em duas décadas. Em Fortaleza, a vacina está disponível nos 116 postos de saúde da capital, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
Flexibilização da quarentena está por trás da alta de infecções
Segundo o infectologista Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o vírus da influenza tem facilidade de recircular todos os anos, porque a imunidade conferida pela vacina é muito fugaz. “Certamente, este ano, muitas pessoas deixaram de ser vacinadas contra a influenza porque, devido à pandemia de covid-19, estavam com medo de ir até o serviço de saúde para receber a vacina, o que também aconteceu no ano passado.”
Ele acredita que os surtos de gripe também podem ter a ver com as medidas de afrouxamento das restrições em relação à covid-19. “Se pensarmos que a gripe se transmite por gotículas, assim como a covid-19, para a transmissão do vírus da influenza naturalmente precisamos que haja aglomerações e não uso de máscara.” Um terceiro aspecto, segundo ele, é que os grandes carreadores de vírus da influenza são as crianças. “Elas certamente aderem menos ao uso da máscara, se aglomeram nas escolas e, com a volta às aulas, levam o vírus para a família. Tudo isso funcionou como um barril de pólvora para que a influenza voltasse.”
Houve ainda o que ele chamou de ‘mismatch’, que é quando a vacina da gripe não acerta o subtipo envolvido no surto. “A vacina contém proteção contra o H3N2, mas não contra o subtipo que está se espalhando agora. É uma doença que é uma velha conhecida, mas não é nem de longe uma doença tranquila. Para pessoas com comorbidade e em idosos, ela pode causar internações e mortes”, disse.
A infectologista Raquel Stucchi, da Universidade de Campinas (Unicamp), também vê o aumento da flexibilização no Brasil todo como causa dos surtos de gripe. “Houve municípios que suspenderam até o uso da máscara. Com isso, tivemos o surpreendente aumento nos casos de influenza, que se espalha por todos os estados. Surpreende porque o vírus não costuma ter uma circulação aumentada em nosso verão. É um vírus que circula no inverno e em alguns meses do outono.”
Com a vacinação contra a covid e a abertura das atividades, segundo ela, uma população muito grande está saindo de casa, para o trabalho, estudos e lazer. “Em muitos locais, isso acontece sem o uso de máscara. Além desse fato, tivemos uma baixa cobertura vacinal contra a influenza. Como temos também pessoas mais suscetíveis saindo, isso explica em parte o aumento de casos.”
Conforme a infectologista, a preocupação é que a cepa que está circulando não faz parte da vacina usada este ano. “A cepa H3N2 Darwin fará parte da vacina de 2022, que ainda não está disponível. A vacina que aplicamos este ano não traz proteção contra a cepa, mas podemos ter algum grau de proteção cruzada usando a vacina de que dispomos em 2021, por isso é importante tomar a vacina. Também podemos conter a transmissão evitando aglomeração, locais fechados e não ventilados, higienizando sempre as mãos e usando máscara.”
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