Debate sobre política agrária trava reforma

Vinte e cinco anos depois do Massacre de Eldorado dos Carajás, a reforma agrária no Brasil vive um impasse: além de o orçamento de 2021 para novas desapropriações ter sido quase zerado, ela enfrenta as críticas de quem a considera uma política social ultrapassada, desconectada do atual projeto de desenvolvimento do País. Ao mesmo tempo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lança campanha que busca ligar a medida à agricultura familiar e à agroecologia, com a produção de alimentos orgânicos de forma sustentável, diminuindo desigualdades sociais.

O próprio MST se encontra em uma encruzilhada: o maior dos movimentos que impulsionou a reforma nos anos 1980 a 2000 convive, segundo críticos como o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Raul Jungmann, com as consequências da proximidade com os governos petistas, o que diminuiu o ímpeto de suas ações, refletindo-se na queda da capacidade de mobilização contra o governo de Jair Bolsonaro, ao contrário do que acontecia na presidência de Fernando Henrique Cardoso.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informa que as ações prioritárias em 2021 “são a supervisão ocupacional de parcelas em assentamentos e a titulação de agricultores em áreas da reforma agrária e terras da União”. A supervisão serviria para cumprir decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), para identificar ocupantes irregulares, “visando a regularização, desde que atendidos os critérios de admissão à política de reforma agrária, ou a retomada das áreas”.

Já a titulação, segundo o Incra, é a aposta do governo de Jair Bolsonaro para garantir “o domínio definitivo da terra aos agricultores, promover segurança jurídica no campo e o acesso às políticas públicas de apoio a produção e comercialização, contribuindo para o desenvolvimento da economia local e a redução de ilícitos ambientais e de violência no campo”. Em 2019, a Comissão Pastoral da Terra registrou 1.206 conflitos por terra no Brasil – o maior número da década.

Orçamento. Para o engenheiro agrônomo Gerson Teixeira, do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Agrícolas da Fundação Perseu Abramo, a reforma agrária está paralisada. “Apesar de aumentar os recursos do Incra, o governo quase zerou as despesas para a aquisição de terras (-94%), para o crédito para famílias assentadas (-93%), assistência técnica (-99%) e a educação no campo (-99%) em relação ao orçamento de 2020.”

O Incra informa que aguarda a sanção da Lei Orçamentária de 2021 para definir a ação, visto que o valor previsto pode ser alterado ou cancelado. “Os recursos estão quase todos direcionados ao pagamento de precatórios”, afirmou Acácio Zuniga Leite, diretor da Associação Brasileira da Reforma Agrária (Abra).

De fato, R$ 2,1 bilhões do R$ 3,4 bilhões do orçamento do Incra são para pagar desapropriações de imóveis rurais feitas em anos anteriores. Em 2020, foram assentadas 99 famílias, a menor quantidade desde 1985 (700 famílias) e foram desapropriados 1,3 mil hectares. De 1985 a 2018, os governos assentaram 1,077 milhão de famílias em 78,2 milhões de hectares no País.

Ao mesmo tempo, o MST assiste à redução de 40% de sua renda com feiras na pandemia – é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil e vende seus produtos em lojas de cinco capitais. O movimento fez 15 invasões de terra nos dois últimos anos. “Vamos retomar as ações após a pandemia. Queremos um modelo agroecológico”, disse Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST.

O movimento diz ter 450 mil famílias assentadas e 150 mil à espera de terras. “O maior período de assentamento em terras improdutivas e desapropriadas foi nos anos de 1998 e 1999, de FHC, e nos anos de 2005 e 2006, do presidente Lula. Depois disso houve um esfriamento total da reforma agrária”, afirma João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST.

Para Leite, a reforma agrária mudou nesses 25 anos. De processo de redistribuição da terra, ela passou a ser um modelo de seu uso sustentável, desde que associada ao crédito rural e assistência técnica. “É possível pensar em interesses comuns entre a agricultura familiar e setores do agronegócio que advogam um bom uso da terra.” Ele reconhece que o crescimento da renda média do brasileiro no período “diminuiu a demanda por terra no campo”.

Jungmann concorda. E aponta o Bolsa Família como um dos responsáveis pela redução da pressão que ele conheceu ao se tornar ministro, há 25 anos, após o massacre de Eldorado. Para Jungmann, com a chegada do PT ao poder, em 2003, o MST perdeu visibilidade, pois não tinha mais o inimigo, representado pelo governo FHC. “Para um movimento de ação direta, a perda do inimigo é mortal.” O ex-ministro afirma que a reforma agrária não faz mais parte de um projeto de desenvolvimento do País, como foi nos anos 1950 e 1960. “Ela não faz mais sentido. Hoje em dia ela se tornou uma política de assistência social.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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