COP-26: ‘Perdemos oportunidade de ouro na negociação climática’, diz Paulo Artaxo

A Cúpula do Clima (COP-26), em Glasgow, terminou neste sábado, 13, com progressos em relação às metas de reduzir o desmatamento e a produção de gás metano, mas faltou avançar no financiamento para conter as emissões de gases de efeito estufa. A regulação do mercado de carbono – outro resultado da COP-26 – também pode significar poucos ganhos ambientais.

Essa é a avaliação de Paulo Artaxo, autor-líder de um dos capítulos do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) e professor da Universidade de São Paulo (USP). Para o especialista, nações desenvolvidas bloquearam avanços que seriam importantes para estabilizar clima no planeta. “Acabamos perdendo mais uma oportunidade de ouro na negociação climática.”

Artaxo lembra que países desenvolvidos investem fortunas em combustíveis fósseis a cada ano e só agora se fala em sair da dependência desse tipo de recurso. Mudanças de última hora no texto final do acordo da COP-26 reduziram ainda mais as ambições em relação aos combustíveis fósseis. “Basicamente, está se continuando o mesmo sistema que nos levou à crise climática que temos hoje.”

O acordo construído na COP-26 é suficiente? Ou seja, atende às expectativas criadas com o evento?

Em linhas gerais, tem duas medidas que foram muito positivas na COP: a primeira é o compromisso de zerar o desmatamento até 2030. Não tinha tido nenhuma resolução até o momento neste sentido, sendo que não há maneira mais rápida, fácil e barata para reduzir as emissões do que parar o desmatamento. Isso resulta em uma série de benefícios paralelos, principalmente para países como o Brasil. O segundo ponto é o acordo para a redução de 30% na emissão de metano, que também tem potencial de gerar grande impacto.

E sobre o restante das discussões?

Há três pontos que foram destaques ao longo da COP-26, mas que acabaram não avançando tanto. O primeiro é a estruturação do mercado de carbono internacional, que, antes de tudo, deveria ser um mecanismo que reduz emissões. Como está estruturado hoje, não há ganho ambiental. Tem de haver uma redução nas emissões associada ao mercado de carbono.

O segundo ponto é a questão dos combustíveis fósseis. É inacreditável que depois de 26 anos de negociações seja a primeira vez que se fale de sair da dependência dos combustíveis fósseis na matriz energética dos países. Pelo modelo atual, os Estados Unidos, por exemplo, podem continuar a investir em usinas de carvão nos Estados Unidos, mas têm restrições para investir em carbono fora do país, o que não gera tantos efeitos.

Um terceiro ponto é a questão do financiamento. Há mais de 10 anos, houve um compromisso para financiar as medidas de mitigação de países em desenvolvimento para conter as mudanças climáticas. Isso porque países em desenvolvimento, como Paraguai, Gana e Nigéria, são os mais vulneráveis e têm de pagar as contas sozinhos. Mas os investimentos não foram suficientes. O que se vê é que os países desenvolvidos simplesmente não estão dispostos a ajudar os países em desenvolvimento a se adaptar às mudanças climáticas e a reduzir essas emissões.

Os países desenvolvidos, portanto, acabaram tendo papel central para a atenuação dos acordos?

Mais uma vez, os países desenvolvidos acabaram bloqueando avanços que seriam muito importantes na luta para estabilização do clima no planeta. Eles vão continuar a investir em subsídios e combustíveis fósseis, mantendo um nível de atividade econômica que não é sustentável. Acabamos perdendo mais uma oportunidade de ouro na negociação climática.

Mesmo o financiamento de US$ 100 bilhões, por exemplo, é pouquíssima coisa, é irrelevante. Os países desenvolvidos investem US$ 500 bilhões só em subsídios para combustíveis fósseis a cada ano. Basicamente, está se continuando o mesmo sistema que nos levou à crise climática que temos hoje. Não mudou nada. Ou o planeta como um todo, principalmente os países desenvolvidos, decidem estabilizar o clima do nosso planeta, ou nós não temos saída para a crise climática.

Sobre o mercado de carbono, por que ele é importante e que perspectivas abre para o Brasil nos próximos anos?

O mercado de carbono pode vir a ser um instrumento se for acompanhado de uma redução nas emissões. O Brasil tem um potencial sequestro de carbono por florestas muito maior do que qualquer país hoje, tem um mercado de biocombustíveis importante. Então, o mercado tem um potencial muito grande para países como o Brasil, mas tem de ser melhor regulamentado. É isso que se espera com o novo acordo. Sem segurança jurídica, ninguém vai investir.

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