Um mundo compartilhado
Os espaços compartilhados por aplicativos mudaram o patamar das relações entre as pessoas. Ainda que a alguém pague pelo espaço, ele está na casa, no apartamento ou no quarto de outra pessoa, que, quase sempre, é igualmente usuária do sistema. Ora hóspede, ora anfitrião. Nunca amo ou lacaio. Uma lástima que nem todas as pessoas entendem assim. Na última semana o aplicativo nos enviou jovens que, aparentemente, tinham a intenção de mudar o mundo. Enquanto escolhia a chave para abrir o portão, minha esposa e eu escutávamos a conversa dos dois jovens que tocavam a campainha. Não, porque não é possível que a praia esteja poluída, porque as pessoas não respeitam o meio ambiente… e o outro concordava demonstrando a indignação comum. Abrimos o portão, falei boa tarde em alto e bom tom, expressando-me com um sorriso de boas-vindas, enquanto estendia a mão para cumprimentá-los. Qual não foi a nossa surpresa ao ver os dois passarem por nós, dirigindo-se diretamente para a casa onde se hospedariam? Da soleira da porta um deles olhou para trás e disse:
– Ei, traga a minha mala!
A descrição da cena é um fato. Minha esposa e eu, inicialmente, fomos ignorados e em seguida veio a ordem, porque não a escutei como um pedido. Isso é minha interpretação. Olhei para a minha esposa com cara de espanto, indagando-me: qual é o mundo que esses jovens querem mudar? O comportamento deles criou em mim um sentimento de frustração, porque tive a necessidade de respeito não satisfeita. Aqui se fala da perspectiva da Comunicação Não-Violenta (CNV) sobre a cena. Do prisma da Inteligência Positiva pude observar na mente e sentir no corpo a força dos meus sabotadores subjugando o sábio. O meu Crítico apoiado pelo Controlador gritou dentro de mim, Quem esses moleques pensam que são? Vai deixar por isso mesmo? Logo o meu Crítico associado ao Esquivo pensou, Deixa quieto. Não compre uma briga agora. Em seguida o meu Crítico já escutava a Vítima, Que @#$, tudo acontece comigo. A interpretação, os pensamentos e os sentimentos ocorreram nesse espaço de tempo em que não reagi. Seria o momento de reagir? O que fazer? Como me expressar? O quarto passo da CNV é o pedido, que deve ser claro, positivo, factível, no presente e que expresse uma necessidade. O que eu diria caso dissesse algo sob o domínio dos sabotadores? Muito provavelmente, não seria nada positivo. Sugere-se a Pausa, o Passo 0, para resgatar o contato com a realidade ao diferenciar os fatos de sua interpretação. A interpretação da realidade viaja na imaginação, que pode nos levar ao julgamento e a fazer um movimento que afete sem afeto. A Pausa diminui a influência dos sabotadores e traz à tona o Sábio com os seus poderes de empatia ao explorar, navegar, inovar e ativar para saber o que traria os melhores resultados. Naquele momento nada estava claro. Ainda assim, fechamos o portão e saímos em silêncio, sem mover a mala. Era a Pausa em Ação, porque o silêncio e o movimento foram eloquentes. Foi um movimento sábio? Não sei, foram usados os recursos que tínhamos.
Ao pesquisar um pouco mais sobre os visitantes descobrimos que eles eram ativistas ambientais. Fatos. A imaginação me leva a pensar que eles têm serventes em casa, mas querem mudar o mundo da porta para fora. Interpretação. Oxalá esses jovens possam repensar o seu papel para afetar com afeto, fazendo movimentos a partir da imaginação de um mundo melhor com a humildade para realizar as atividades ordinárias. que gerem resultados extraordinários. Entendo que entre pessoas não há mais espaço para amos e lacaios a partir do momento em que cada um carregue a sua mala, arrume o seu quarto, responsabilize-se pelo seu lixo e cuide do seu jardim. Com esse movimento se pode imaginar um mundo em que todos afetem com a consciência do AFETO. Não se trata de aprender a compartilhar uma casa, mas de entender que compartilhamos o mundo no qual somos hóspedes e anfitriões.
Moacir Rauber
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