Se todos vivessem como eu 3?

Ir ao supermercado é uma experiência que se repete pela necessidade de comprar os produtos de subsistência inerentes ao ser humano. Vou com minha esposa, às vezes a contragosto, outras vezes porque gosto de observar e, muitas vezes, fazer meus juízos de valor. Somos humanos, somos estranhos. Observo um casal em que o homem abre uma das geladeiras para escolher um pedaço de carne congelada. Ele revira todos os pedaços e segue em frente sem levar nada deixando o freezer aberto. Mais adiante vejo uma mulher idosa que se aproxima da pilha de papel higiênico, apalpa um pacote e com o dedo perfura o plástico para sentir a textura. Aproximo-me da mulher e pergunto:

– Perdão, senhora, não se pode fazer isso. Imagina se todos fizessem o que você fez, como seria?

Ela me olha entre desafiada e ofendida. Logo responde com raiva:

– Você não tem nada a ver com isso! E eu não sou como todos! Que se danem todos!

Foi uma senhora, mas poderia ter sido qualquer um.

Discordo dela quando me diz que não tenho nada a ver com isso, porque tenho a ver com a sua atitude, assim como todos os clientes. Ela furou e tocou um produto que posteriormente poderia ter sido comprado por mim ou por qualquer outra pessoa. Assim, aqui quero ressaltar a dificuldade que temos de viver em sociedade exercendo a nossa liberdade, respeitando o espaço e o direito à liberdade do outro. As situações relatadas são exemplos extraídos da realidade ordinária que podem pouco importantes por serem de baixo impacto, porém creio que elas se repetem em situações de maior impacto em que pessoas com o mesmo entendimento da realidade como as acima citadas estejam presentes.

A questão proposta “se todos vivessem como eu…” leva o indivíduo a resgatar os seus valores e princípios éticos refletidos em seu comportamento. Entenda-se ética como o campo do comportamento humano que estuda os princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam as ações individuais que se refletem em normas e valores presentes na vida e no dia a dia das pessoas. Com isso, constituem-se um conjunto de regras que carregam em si determinados valores morais das pessoas que terminam por ser representativos da sociedade. A partir desse conceito pergunto: o que se pode esperar de uma sociedade composta por indivíduos que não conseguem entender que o seu comportamento impacta a vida de outras pessoas? Acredito que ainda temos um longo caminho de retorno evolutivo para resgatar determinados comportamentos que eram valorizados em tempos passados para que possamos construir uma melhor sociedade no presente e no futuro. Trata-se de voltar a incorporar valores de colaboração, cooperação e consciência ética de saber que aquilo que faço, ainda que ninguém veja, deveria poder ser feito por qualquer um sem que isso represente um dano ou produza um impacto negativo na vida das demais pessoas. O que você faz poderia ser feito por qualquer pessoa?

Enfim, aquela senhora me respondeu com agressividade ao ser interpelada por mim frente ao seu comportamento. Furar um pacote de papel higiênico é grave? Pode parecer que não, entretanto reflete a nossa falta de pensamento coletivo em que as minhas ações impactam a vida das outras pessoas. Como ela acertadamente disse “eu não sou como todos”, ainda bem, porque ninguém é como ninguém. Porém, o exemplo dado por um deveria poder ser seguido por todos. Da mesma forma, eu não quero viver como todos e provavelmente todos não querem viver como você ou como eu, contudo, há a possibilidade de que outros copiem aquilo que você faz. Desse modo, cada um de nós deveria ter isso em mente. Por isso a importância da pergunta: e se todos vivessem como eu?

Na sequência vi uma menininha que tinha sete ou oito anos colocar novamente em seu lugar um pacote de bolachas que alguém havia derrubado por distração. Ainda há esperança!

Moacir Rauber

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