Revirando o passado

O Brasil é um país realmente engraçado, ainda mais quando suas autoridades resolvem revirar o passado sobre temas já debatidos à exaustão. Seriam incontáveis os exemplos. Desde os mais simplórios a assunto polêmicos, como é agora a questão de uma tentativa de mudar a lei, equiparando o crime de aborto ao de homicídio. Isso levanta uma série de preocupações e reflexões profundas. Esta possível alteração legal não se limita apenas ao campo jurídico, mas também repercute de maneira intensa no âmbito emocional e social das mulheres afetadas por tal decisão.

Equiparar o aborto ao homicídio implica em uma criminalização extremamente severa das mulheres que optam por interromper uma gravidez. Essa medida desconsidera a complexidade e a multiplicidade de razões que podem levar uma mulher a tomar essa difícil decisão. Em muitas situações, o aborto não é uma escolha leviana, mas uma decisão dolorosa e angustiante, tomada em meio a circunstâncias adversas e desesperadoras, como a gravidez resultante de estupro, a inviabilidade do feto, ou ainda condições de saúde que colocam em risco a vida da mãe.

Caso a legislação sofra as alterações propostas, uma mulher estuprada que cometer o aborto pode, num caso hipotético, permanecer presa enquanto quem a estuprou sair muitos anos antes. Uma aberração sem tamanho, mas em que se tratando de Brasil possível diante das iluminadas cabeças pensantes que levam ao Congresso Nacional debates pautados na disputa ideológica pura e simples. Ou então pior, pois como disse um deputado, o projeto seria uma espécie de ‘teste’ ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A proposta ignora a realidade social e econômica de muitas mulheres brasileiras. A falta de acesso a métodos contraceptivos, educação sexual inadequada e a pobreza são fatores que contribuem significativamente para a alta taxa de gestações indesejadas. Ao invés de focar em políticas de apoio e prevenção, a criminalização do aborto perpetua a marginalização e a vulnerabilidade dessas mulheres, que já enfrentam inúmeras dificuldades em suas vidas diárias.

Mas quantas outras leis e decisões tomadas pelos poderes constituídos ignoram esses e outros aspectos, fazendo com que a maioria da sociedade brasileira siga sendo refém das ‘benesses’ de um Estado paquidérmico.

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