Uma luz sobre a equidade de gênero na área tecnológica

Carmen Lúcia Petraglia (*)

O recém-criado Ministério das Mulheres promete inserir as mulheres no mercado de trabalho, criar políticas públicas para combater o assédio moral e buscar a equiparação de salários entre gêneros. Sabe-se que não será uma tarefa fácil, especialmente no que se refere à área tecnológica, onde a dominação de gêneros fica evidente.

No ano passado, como parte do Plano de Ação Anual (PAA) do Grupo de Trabalho do Programa Mulher Crea-RJ, foi encomendado à pesquisadora Maria Salet Novellino o estudo “As Profissionais com Registro/Visto no Crea-RJ: Levantamento e Análise de Questões Relacionadas às suas Atuações Profissionais”, que serviu de base para o Censo Mulher Crea-RJ.

O estudo foi desenvolvido a partir do universo dos profissionais cadastrados no Crea-RJ, um total de 138.097 indivíduos, dos quais 23.185 (16,79%) são mulheres e 114.912 (83,21%) são homens. De início, uma triste observação: o percentual de mulheres no Crea-RJ fica abaixo da média nacional do Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia), que é de cerca de 20%.

A pesquisa apresentou evidências de que os percentuais das estudantes e das profissionais nas engenharias e afins vêm aumentando, mas a participação delas no campo de trabalho ainda é consideravelmente menor do que a dos homens. Participação menor não só quantitativamente, mas também qualitativamente, visto que as posições de comando são ocupadas majoritariamente por homens, o que reforça a dominação masculina no campo de trabalho.

Entre as diferentes graduações do universo dos profissionais registrados no Crea-RJ, as mulheres apresentam percentuais mais altos em Meteorologia (42,42%), Geografia (38,27%), Geologia (24,20%), Agronomia (22,19%) e Cartografia (20,53%). Nas engenharias, esse percentual é de 16,48%.

Quanto às especialidades das engenharias, os percentuais de mulheres são superiores às dos homens em: Alimentos (66,18%), Bioquímica (64,71%) e Biomédica (52,38%). Os percentuais de mulheres aproximam-se dos 50% em Agroindustrial (46,15%), Sanitária (43,74%) e Química (40,75%). Abaixo de 10% de mulheres tem-se na Elétrica (9,50%), Minas (9,17%), Mecânica (6,35%), Aeroespacial (4,61%) e Industrial (2,78%). Na Civil, que tem o maior contingente de profissionais (47.769), as mulheres representam 19,09% do total.

Nas três etapas do estudo, vários dados chamaram a atenção. Pode-se observar a divisão sexual horizontal do trabalho em determinadas especialidades da engenharia, como a Civil, Minas, Metalurgia e Mecânica; e em atividades de campo, canteiros de obra, fábricas e siderúrgicas, onde há forte resistência à presença de mulheres, tanto por parte dos operários quanto por parte dos profissionais de nível superior.

Essa resistência teria como justificativa as características das atividades, que, no imaginário masculino, só poderiam ser executadas por homens devido ao ambiente rude, trabalho pesado e sujo. Em canteiros de obra, fábricas e siderúrgicas caberia às engenheiras e afins atividades dentro dos escritórios. Imaginariamente haveria então uma separação entre atividades masculinas e femininas, as mulheres atuando mais em tarefas burocráticas e os homens no campo e na produção.

Pode-se, também, observar a divisão sexual vertical do trabalho pelo número reduzido de mulheres em cargos de gerência. Essa desigualdade, no ideário masculino, é justificada na resistência que operários teriam em aceitar autoridade feminina, e que os empregadores prefeririam homens em posição de comando.

A discriminação de gênero em relação às mulheres pode se manifestar de várias maneiras, entre elas: ser impedida de falar ou ter a fala desqualificada, dificuldade de ser ouvida em reuniões; o masculino sempre dominando a conversa, usando tons mais altos procurando desqualificá-las em discussões técnicas; falas e ações constrangedoras, como piadas e brincadeiras sexistas, ou até de assédio moral e sexual; e quando as mulheres ascendem na hierarquia da empresa, a alusão de que tal fato é devido a possíveis favores sexuais.

Existe ainda a expectativa de que as mulheres se vistam e se comportem de modo a ficarem invisíveis como mulheres. A discriminação pode ainda se manifestar tanto no machismo quanto no paternalismo, na ‘proteção’.

Várias foram as formas descritas pelas profissionais para enfrentar a discriminação: aceitar o machismo e o paternalismo como elementos ‘naturais’; assumir uma postura dura calcada no padrão masculino de comportamento; e exigir mais de si própria em relação ao desempenho, desta forma se adiantando a uma possível discriminação e evitar o conflito.

Para atuarem e serem aceitas em um campo predominantemente masculino, espera-se que as mulheres incorporem e reproduzam características tidas como masculinas, como competitividade, objetividade, individualismo, frieza e rigidez disciplinar. As qualidades tidas como femininas: atenção, cuidado, dedicação, seriam vantajosas para o exercício de atividades limitadas, mas desvantajosas para atuarem no campo em posições de comando. Esta visão não é mais aceitável na prática da sociedade atual, evolutiva, diversa, igualitária, tecnológica e digital.

De acordo com a pesquisadora Maria Novellino, pode-se concluir que o campo das engenharias e afins continua sendo, em termos numéricos, predominantemente masculino, mas vem aumentando a participação de mulheres.

A necessidade de reestruturação do cenário tecnológico brasileiro é uma realidade. No Programa Mulher, do Crea-RJ, o tema Equidade de Gênero tem sido uma das pautas prioritárias e tem reafirmado a importância do protagonismo da mulher enquanto profissional da área tecnológica. Precisamos avançar no viés de raça, orientação sexual e violência e focar nas questões de apoio à maternidade e à primeira infância.

A igualdade de gênero não é apenas um direito humano fundamental, mas a base necessária para a construção de um mundo pacífico, próspero e sustentável. Agora, como Conselheira Federal do Confea pelo estado do Rio de Janeiro e Presidente da Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas — ABEA Nacional, espero contribuir ativamente para que este objetivo seja alcançado.

* Carmen Lúcia Petraglia é Engenheira Civil, Sanitarista e Ambiental, Presidente da Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas – ABEA Nacional; ex-diretora do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura — Crea-RJ – e, atualmente, Conselheira Federal do Confea.

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