Putin, o Cézar do século XXI
Deijenane Santos
Vladimir Putin, nos últimos anos, tem seu nome associado ao poder autocrático, ao desrespeito às leis internacionais e à ascensão de uma Rússia com intenções imperialistas. Putin é o homem por trás da recente invasão à Ucrânia. Uma declaração de guerra a um país soberano, um conflito que tem levado terror e morte ao povo ucraniano em mais um triste capítulo da história da Europa, continente marcado por inúmeras guerras. A guerra na Ucrânia é resultado dos desejos imperialistas de um chefe de estado que enxerga o mundo de uma forma bastante peculiar.
Desde sua ascensão ao poder em 1999, Putin tem trabalhado para alçar a Rússia ao posto de grande potência no xadrez internacional. Liderando uma nação em frangalhos após a queda da União Soviética (URSS), Putin colocou a economia russa nos trilhos e projetou uma imagem de poder no âmbito internacional, ainda que sua política doméstica seja bastante controversa e autoritária. Não há espaço para dissidência na Rússia de Putin, criticá-lo pode resultar em perseguição severa, exílio ou morte. No terreno internacional, o despotismo putiniano é exemplificado pela instauração de regimes fantoches em países que fizeram parte da URSS e pela atuação na Ucrânia desde 2014 com a anexação da Crimeia e o apoio aos rebeldes separatistas em Donbas. Atitudes típicas de um czar moderno.
Infelizmente, a Ucrânia pode não ser o único estado soberano europeu a sofrer com a tirania de Putin nos próximos anos, caso o russo não seja detido. Ex-agente da KGB na Alemanha Oriental, Putin é um saudosista da antiga União Soviética, tendo afirmado inclusive que a queda da URSS foi “a maior catástrofe geopolítica do século XX”. O presidente russo vai além em seu saudosismo eslavófilo ao buscar restaurar o antigo império russo dos czares. Para Putin, a Rússia é uma nação que deve exercer seu protagonismo no sistema internacional e a conquista de territórios tidos como ‘tradicionalmente russos’ é parte dessa visão. Putin acredita que os povos eslavos fazem parte de uma nação única e que a Rússia deve unir esta civilização sob seu domínio. Com base nesse pensamento, não é difícil entender o porquê de a independência de um estado como a Ucrânia ser uma afronta à ideologia de Putin.
O pensamento de Putin é muitas vezes associado às ideias de Alexander Dugin, teórico propagador do euroasianismo, doutrina que prega a liderança de nações euroasiáticas em um contraponto ao Ocidente. Para Dugin, o Ocidente é uma civilização em decadência, cujos valores políticos e morais são uma ameaça à civilização russa e mais amplamente aos povos eslavos. Dugin acredita que território é poder e sua teoria geopolítica tem sido apontada como base ideológica para a atuação de Putin no cenário internacional.
Não é possível entender as ações de Vladimir Putin no cenário sem que se atente para a visão de mundo esboçada pelo presidente russo. Putin não deve parar por aqui em seus anseios por território e por poder. Quando ele afirma que a Ucrânia é parte inalienável da Rússia, principal razão para o atual cenário de guerra em território ucraniano, Putin mostra a sua verdadeira face. Motivos como a potencial adesão ucraniana à União Europeia e à OTAN ficam em segundo plano. Putin opera em uma lógica muito particular, seu anseio pelo domínio de nações que ele considera parte integrante da Rússia histórica não respeita quaisquer sanções internacionais ou o próprio Direito Internacional. Putin está disposto a enfrentar qualquer obstáculo que possa atrapalhar o seu projeto de poder imperial.
As investidas de Putin na Europa, principalmente a recente invasão da Ucrânia, remetem às ações de um personagem cujas intenções e a ideologia muito se assemelham àquelas do Czar do século XXI. Em 1938, Adolf Hitler anexa a região dos Sudetos, na antiga Tchecoslováquia, sob o olhar de ingleses e franceses que preferiram manter a política do apaziguamento, achando que, ao agir desta forma, os anseios imperialistas hitlerianos seriam contidos. Para desespero dos europeus, em 1º de setembro de 1939, Hitler invade a Polônia dando início à Segunda Guerra Mundial. Os anseios de Hitler por território e poder não foram contidos pela passividade europeia no ano anterior. O horror da Segunda Guerra é um dos motivos por trás da inércia dos governos europeus em relação às ações imperialistas de Putin.
A Europa não quer saber de guerra. Além disso, há questões econômicas que impedem uma resposta mais assertiva por parte dos países europeus. A Europa está refém de Putin. Enquanto isso, ele avança em seu projeto imperialista. O único país capaz de confrontar Putin, os Estados Unidos, seguem numa linha de decadência na liderança internacional e preferem o caminho das sanções ineficazes ao invés de apresentar uma resposta mais enérgica. A OTAN mantém seu princípio de defesa, só se movimentará caso algum de seus membros seja atacado. Enquanto isso, a Ucrânia luta praticamente sozinha por sua soberania. A história costuma punir quem não atenta para suas lições, Putin precisa ser contido, seu projeto imperialista não pode prevalecer.
Deijenane Santos é professora de Relações Internacionais da Estácio, mestre em Ciência Política