O resto é consequência

Por Dartagnan da Silva Zanela (*)

Se pararmos para dar umas cutucadas em nosso celular, e nos largarmos de vereda pelo oceano digital, nos distraindo entre um e outro meme, cedo ou tarde, iremos dar de cara com ela: uma publicação patrocinada sobre técnicas e métodos para aumentar a nossa “fodereza”.

Métodos e técnicas que serão compartilhadas conosco através de um curso todo poderoso [todo gostoso] que, é claro, custará uma [suposta] merreca. Uma merreca diante do conteúdo hipoteticamente único, e supostamente descomunal, que será entregue para nos tornarmos top, ousados, fodas, enfim, para sermos vencedores.

E como nós, de um modo geral, nos sentimos frequentemente como um derrotado de marca maior, acabamos caindo nessa arapuca e sendo seduzidos por essas estrovengas de autoajuda, mal disfarçadas de estoicismo 2.0, ou algo similar a isso, porque, como todos nós sabemos, a ambição sem um objetivo claro, é apenas e tão somente o refúgio do fracasso inconfessável, e a isca mais do que perfeita para atrair vigaristas.

Ora, não há nada de errado em termos a ambição de realizar um projeto pessoal. Na verdade, o grande erro é que na grande maioria das vezes não temos nenhum plano para a nossa porca vida, o que não nos impede, de jeito-maneira, de ficarmos invejando as pessoas que o tem e, ao contrário de nós, correm atrás do que querem com todas as forças do seu ser.

Porém, todavia e, entretanto, não nos esqueçamos que essa invejinha malvada envenena a nossa alma com o mais peçonhento ressentimento, junto com a mais cáustica auto piedade.

Se somos assim, lascou-se tudo porque, de fato, somos um fracasso só. Somos o sujeito que fica ambicionando realizar algo grandioso sem, necessariamente, nos esforçarmos para irmos nessa direção.

E essa é a encrenca toda quando adquirimos cursos e mais cursos que se propõem a nos ajudar a sermos mais “phodas” porque, na real, bem na real, o que estamos de fato querendo com essas “coisaradas” todas é tão somente fugirmos de nós mesmos, mesmo que seja por apenas alguns momentos, para fingirmos que somos alguém que, possivelmente, jamais iremos ser.

Deste modo, fica patente que o problema não está nos cursos e livros de autoajuda, muito menos nos mentores estoicos 2.0. O problema está em nós mesmos, nessa nossa mania aburguesada de sentirmo-nos totalmente satisfeitos com o trem fuçado que a gente é e, ao mesmo tempo, estarmos profundamente descontentes com aquilo que temos.

E é isso, bem isso, que as pessoas desprovidas de ambição desejam com todas as forças do seu ser. Elas querem o patrimônio, a carreira, o sucesso, o reconhecimento e o cafuné que elas veem nas vidas vividas por uma montoeira de indivíduos, mas não querem deixar de ser esse troço esculhambado que elas são.

Enfim e por fim, antes de querermos ser top, ousado, foda, vencedor ou descolado, procuremos, na medida do possível, sermos gente. Esse é o primeiro passo. O resto é consequência.

(*) Professor, escrevinhador e bebedor de café. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas. Autor de “A Bacia de Pilatos”, entre outros livros.

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