As masculinidades e a liderança feminina
Por André Folloni
O termo masculinidade tem sido utilizado para descrever e analisar o conjunto de características que, tradicionalmente, constitui a expressão cultural do masculino, em alguns casos por oposição ao feminino ou ao afeminado. Como há várias características e expressões diferentes no tempo e no espaço, não é incomum o uso do termo no plural. Há bastante discussão sobre como a masculinidade enquanto cultura constrói e mantém obstáculos para o crescimento profissional de mulheres e, também, de outras variações de gênero. Quero, aqui, contudo, refletir um pouco como algumas das características clássicas da masculinidade criam dificuldades para os homens que se relacionam com liderança feminina.
Peter Fry, antropólogo da UFRJ, pontuando diferenças entre a masculinidade que percebia no Brasil e aquela do universo anglo-saxão, de onde vinha, refletia, nos anos 80, sobre o papel sexual ativo enquanto constitutivo de uma masculinidade bem brasileira, papel não necessariamente exercido apenas em relações heterossexuais. Diferente de se relacionar apenas com mulheres, o masculino, nessa manifestação cultural, define-se pela dominância, pela ação, em oposição à subordinação e à passividade.
Além do papel ativo, a agressividade, física e verbal, é também um componente fundamental da cultura masculina. É comum o menino aprender que não se bate em mulher em hipótese alguma, enquanto outros homens podem, ou devem, ser confrontados com agressividade. Mas esse aprendizado não é generalizado: em muitos casos, a masculinidade implica a agressividade específica contra a mulher, que resulta nas manifestações de violência de gênero, sobretudo doméstica, coibidas, em muitos países, por legislações específicas, como, no Brasil, a famosa Lei Maria da Penha.
Agressivo e ativo, masculinidades em geral envolvem, também, a assunção do papel de chefe. O homem, em muitas culturas, é o tradicional chefe de família e detentor do pátrio poder. É uma função familiar que está ligada às atribuições masculinas próprias de sociedades patriarcais, que, por muitos meios, reservam, para o homem, os papeis de liderança, em suas várias manifestações: política, moral, patrimonial e jurídica, entre outras.
Um homem criado em ambientes sociais e culturais no qual não apenas aprende, mas interioriza e reproduz, que dele se espera a dominância, a agressividade e a chefia, enfrentará dificuldades especiais em conviver com a liderança feminina, realidade desejável, presente em várias organizações e em tendência de ampliação. Aqui, refiro-me não apenas ao fato de que homens podem ser liderados por mulheres, mas, também, que podem vir a estar na posição de colocar mulheres em cargos de liderança. Os homens, então, precisam aprender a estar à vontade com a liderança feminina, tanto acima, quanto abaixo e ao lado nas estruturas organizacionais.
Penso que um bom caminho para que essa familiaridade cresça e floresça passa precisamente pela consciência masculina a respeito da masculinidade e de suas implicações culturais e sociais, além da percepção mais ampla dos vários aspectos que caracterizam sociedades patriarcais e da intensidade com que esses aspectos se manifestam nos diversos setores da vida social (inclusive, econômica e empresarial) em que questões de gênero se apresentam. Nesse sentido, é importante que também homens se interessem por estudos de gênero e participem de eventos e debates sobre condição feminina.
Esse é um assunto que deve interessar à sociedade como um todo, inclusive porque, como demonstrou Amartya Sen na virada do século, toda a sociedade se beneficia quando mulheres ganham autonomia e capacidade de ação; e porque, como demonstrou Martha Nussbaum em diversas oportunidades, não há sociedade eticamente aceitável baseada em discriminação de gênero ou tolerante com esse tipo de desigualdade.
André Folloni é Doutor em Direito e Decano da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).