As contradições da retomada no mercado de trabalho

Wilhelm Meiners

Guilherme Stipp

A pandemia de Covid-19 gerou a maior taxa de desempregados no país, ao menos desde que essas estatísticas são coletadas. Aos poucos, contudo, verifica-se uma retomada do mercado de trabalho na economia nacional. Entre os trimestres encerrados em junho e julho deste ano, houve uma redução de 14,1% para 13,7% na taxa de desocupação, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Em julho, 89 milhões de pessoas estavam ocupadas no país, 3,1 milhões a mais do que o registrado em junho. Trata-se de um crescimento de 3,6%, configurando o início de recuperação da renda das famílias e da demanda agregada. Ocorre que a retomada engendra dinâmicas bastantes contraditórias e mudanças estruturais nas relações de trabalho que vão além da pandemia e já se afirmavam no final da década passada, como a informalidade e a subocupação. 

Apesar da flexibilização ocorrida no mercado, especialmente em razão da reforma trabalhista de 2018, o desemprego resiste há anos em um patamar elevado, gerando, inclusive, estimativas da Taxa Natural de Desemprego no patamar de 10%, com 10 milhões de pessoas desempregadas.

Nesse quadro, a subocupação, com pessoas que trabalham em tempo parcial mas estão disponíveis para ampliar sua jornada de trabalho, atingiu em julho de 2021 7,7 milhões de trabalhadores. Esse grupo cresceu 7,2% entre junho e julho – ou seja, mais 520 mil pessoas. Significa que cerca de um sexto dos novos empregados entram no mercado subocupados. Se somarmos os subocupados com as 14,1 milhões de pessoas sem trabalho e as 9,9 milhões referentes à força potencial de trabalho, há um contingente de 31,7 milhões de pessoas subutilizadas no mercado de trabalho ampliado, cerca de 28% do total.

Outro elemento importante nesse quadro revela como a pandemia encerrou vagas tanto nas relações formais como nas relações informais de trabalho. A retomada, porém, ocorre com muito mais oportunidades de ocupação informal, assim como foi verificado na retomada da crise de 2015-2017.

Há, sim, vagas, mas principalmente em trabalhos sem registro em carteira ou para quem se arrisca por conta própria, sem CNPJ. Dados da PnadC indicam que no final de julho havia 36,3 milhões de brasileiros em ocupações informais – 40,8% das pessoas ocupadas. Entre os empregados do setor privado, a informalidade atinge 10,3 milhões de pessoas, ou 25% dos empregados. Já entre os trabalhadores domésticos, a informalidade chega a 3,8 milhões de pessoas, o que equivale a 75%, aproximadamente. Por fim, das 24,8 milhões de pessoas que trabalham por conta própria, 19,1 milhões tocam negócios sem registro, cerca de 77% do total. Em um ano, o total da população ocupada cresceu em 7 milhões, sendo 80% (5,6 milhões a mais de trabalhadores) atuando na informalidade.

O monitoramento do empreendedorismo global (pesquisa GEM), que há mais de duas décadas capta o comportamento de empreendedores em 46 economias, detectou que no Brasil, em 2020, o empreendedorismo por necessidade passou de 37,5% para 50,4%, sendo que 82% desses novos empresários foram motivados a abrir um negócio para “ganhar a vida, porque os empregos estão escassos”. O empreendimento por necessidade, na maioria das vezes, é um negócio informal, feito com pouco planejamento e recursos iniciais, sem capital de giro, com baixa produtividade e rendimento. 

Completando o cenário, observamos que, mesmo com a retomada, o rendimento real médio dos brasileiros ocupados caiu de R$ 2.614,00 para R$ 2.434,00 (6%) entre o segundo trimestre de 2020 e o de 2021. Uma parte relevante dessa queda ocorreu no rendimento dos empregadores (-11%, em média), que viram o faturamento real de suas empresas diminuir. 

A maior parcela, entretanto, é explicada pela mudança na condição de ocupação, com o avanço da informalidade. Os empregos sem carteira no setor privado remuneram 32% menos do que os formais – entre os trabalhadores domésticos, a diferença chega a 41%. O empreendedor por conta própria informal (sem CNPJ) tem um rendimento médio 55% inferior ao formal. Aliás, para o empreendedor por conta própria informal, seu rendimento é 40% menor do que o empregado no setor privado com carteira assinada.

Essa é uma sina para milhões de brasileiros que perderam seus empregos nos primeiros meses da pandemia, não encontraram recolocação no mercado e precisaram manter a renda familiar em oportunidades criadas por conta própria, como vendedor de rua, com pequenos trabalhos artesanais ou como motoristas e entregadores de aplicativos.

Como consequência dessa dinâmica negativa do mercado de trabalho, a própria perspectiva de crescimento da economia é afetada. A expectativa mediana do Boletim Focus, do Banco Central (BC), para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2022 passou de 2,5% no início deste ano para 1,5% no dado mais recente. Isso reforça a evidência de que o principal motor de crescimento de curto prazo da economia, a demanda agregada (que corresponde a 60% do PIB total), está prejudicada devido à conjuntura do mercado de trabalho.

Um outro ponto de fragilidade para a manutenção da demanda agregada nos próximos trimestres é a Selic, que chegou a 6,25%, com expectativas de alta para os próximos meses. Essa alta fará com que o custo do crédito para as famílias encareça. A taxa de juros média das operações de crédito não-rotativo para pessoas físicas passou de 18% ao ano no início de 2021 para 21% ao ano no mês de agosto, conforme dados do BC. Esse custo maior inviabiliza em alguma magnitude o consumo de bens duráveis, responsável por cerca de 30% do total do consumo das famílias.

Ainda, esse aumento do custo da dívida chega em um momento no qual o grau de alavancagem das famílias brasileiras está no maior patamar desde 2005. Por um lado, vemos que houve uma redução abrupta da massa salarial real; por outro, o nível de dívidas não diminuiu na mesma magnitude. Dados do BC mostram que o comprometimento da renda das famílias brasileiras com dívidas do sistema financeiro nacional (SFN) está no patamar de 59% em relação à renda acumulada dos últimos 12 meses.

Por esses motivos, acreditamos que a recuperação do consumo privado pode ser lenta. Uma vez ultrapassadas as dificuldades trazidas pela Covid-19, ainda teremos um longo caminho a percorrer antes de superarmos o nível de renda do pré-pandemia.

Wilhelm Meiners é economista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Guilherme Stipp é economista da 4UM Investimentos e egresso da PUCPR.

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