A reeleição e seus efeitos colaterais

Em meio à polarização e ao embate político que potencializam o risco institucional e podem ensejar confrontos que poderão ser sangrentos, a grande indagação é sobre o quê teria nos conduzido a essa inconveniente situação. Tenho a certeza de que a raiz do problema está no instituto da reeleição. A possibilidade do indivíduo eternizar-se como governante ou parlamentar acarreta muitos problemas. O primeiro é que ele deixa seu emprego ou negócios, tornando-se político profissional. E, para garantir a próxima eleição, vende até a alma ao diabo, sujeitando-se aos esquemas perniciosos impostos pelos “donos” dos partidos políticos, por governantes ou por setores poderosos da sociedade. Aquele indivíduo que, por definição, deveria ser o representante do povo e, durante o mandato, doar-se à causa pública, torna-se agente de vícios que prejudicam o País e a sociedade. É levado a defender causas controversas que, no entanto, lhe garantem os recursos para fazer a próxima campanha e ter chance de continuar pendurado no poder.

Existem, na sociedade, muitas discussões sobre o político ideal. Cada cidadão tem a sua opinião. Acho interessante a tese de que os eleitos deveriam cumprir apenas um mandato e voltar para casa com a dignidade de quem já deu sua parcela de esforços em favor do bem comum. O máximo de liberalidade poderia ser os parlamentares (senadores, deputados e vereadores) terem o direito a uma reeleição e depois disso darem por cumprida a sua vida pública. Quanto aos governantes (presidente da República, governador de Estado e prefeito municipal) deveriam exercer apenas um mandato e nada mais. A reeleição para cargos do Executivo, casuísticamente criada nos anos 90, é uma distorção e, positivamente, um a das causas da crise política que hoje vivemos. Num país com mais de 200 milhões de habitantes e tanta gente preparada, não seria difícil encontrar bons quadros para governar e compor as casas legislativas se não existissem os malévolos esquemas que garantem a reeleição e torna a população refém dos mesmos. Se cada um cumprisse seu período e voltasse para a sua vida original, certamente haveria mais criatividade, menos esquisitices e, invariavelmente, menos corrupção.

Tenho a certeza de que os pensadores que formataram o conceito de sociedade jamais imaginaram que o cidadão, ao entregar seus direitos naturais a uma estrutura organizada e representativa fossem, um dia, se tornar cativos de indivíduos gananciosos que arrebatariam exclusivamente para si o direito de representar o povo. Infelizmente, o círculo vicioso está criado e – para sermos honestos – lembremos que esse não é um mal tipicamente brasileiro. É visto no mundo inteiro, em maior ou menor proporção, mas sua presença é marcante e desafiadora. O Brasil – e especialmente alguns Estados brasileiros – têm características próprias com castas onde pai, mãe, filhos, netos e outros familiares dominam o ambiente político, transformado em curral. Eles fazem o possível e o impossível para continuar mandando sempre, mesmo que isso não atenda aos interesses do povo, de quem se dizem representantes.

A continuidade desmedida é uma das responsáveis pela má avaliação da classe política, manifesta pelo crescente número de abstenções e votos brancos e nulos a cada eleição que se realiza. Também é a matriz da corrupção e dos maus costumes que tornam sórdida a crônica política. Parece que, independente da atuação individual desse ou daquele político – mas em função do comportamento genérico da classe – marchamos para o ponto de ruptura. Vivemos aquele momento em que o país precisa muito de bombeiros mas, infelizmente, o que mais existe é incendiários. Oremos (enquanto ainda é tempo)…

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)

aspomilpm@terra.com.br                                                                                                    

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