A ilegalidade da cobrança de adicional dos Riscos Ambientais do Trabalho

Ana Paula Oriola de Raeffray e Franco Mauro Russo Brugioni 

Nos últimos tempos, as empresas têm sido fortemente autuadas pela Receita Federal com a exigência de recolherem a contribuição adicional aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), que incide sobre o valor da remuneração do trabalhador, podendo variar entre 6%, 9% ou 12% e destina-se ao custeio da aposentadoria especial, de que trata o artigo 57, § 6º, da Lei nº 8.213/1991 .

Essas autuações estão embasadas no Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 02/2019, editado em 23 de setembro de 2019, no qual está estipulado que mesmo que a empresa adote medidas de proteção coletiva ou individual que reduzam a exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, a contribuição adicional é devida pela empresa quando não puder ser afastada a concessão da aposentadoria especial.

O fundamento para a expedição dessa espécie de ato pode ser encontrado no artigo 100, inciso I, do Código Tributário Nacional, que considera os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas como normas complementares de leis, tratados e convenções internacionais em matéria tributária.

Ocorre que o parágrafo único do mencionado dispositivo deixa claro que o objetivo principal da referida disposição é excluir a aplicação de penalidades, juros de mora e atualização monetária quando o contribuinte observar tais normas. A previsão decorre do princípio da proteção da confiança aplicável à Administração Pública, em prestígio à boa-fé do contribuinte e à segurança jurídica.

Não há no artigo 100 do CTN qualquer autorização para se criar novas obrigações ou instituir tributos, o que esbarraria no princípio da legalidade tributária, que encontra expressão no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, como se vê:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I –  exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (grifou-se)

Ao contrário do determinado pela legislação, no entanto, verifica-se que o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 02/2019 não tem por objetivo aclarar qualquer disposição legal tributária, mas sim instituir uma nova hipótese de incidência tributária à margem da Lei e calcado numa interpretação equivocada – para dizer o mínimo – de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de repercussão geral no ARE 590415/SC.

Na verdade, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) é diametralmente oposta a declaração simplista e com fim meramente arrecadatório do Ato da Receita Federal, o que revela não só a violação ao princípio da legalidade, como também o descumprimento literal da tese fixada pela Corte guardiã da Constituição Federal.

Como bem explicitou o STF, o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à saúde. Logo, se foram adotadas pela empresa as medidas necessárias para reduzir ou neutralizar a exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, não há que se falar  em concessão de aposentadoria especial ao segurado ou, tampouco,  em obrigação da empresa quanto ao recolhimento do  adicional ao RAT.

Mas, contrariando a lei e a decisão do STF, afirma-se no Ato Declaratório  que, mesmo havendo a redução ou neutralização da exposição, se “não puder ser afastada a concessão da aposentadoria especial”, é devido pela empresa o adicional para o custeio dessa espécie de aposentadoria.

 É evidente, contudo, que, se há a neutralização da exposição e, ainda assim, o Poder Público decidiu conceder o benefício (administrativamente ou judicialmente), o que há é um erro na concessão desse benefício, o que deve ser reparado. Ora, não há dúvida, de que o adicional ao RAT tem como fato gerador o dano eventualmente causado ao trabalhador pelo ambiente de trabalho insalubre, onde não foram adotadas as medidas necessárias à sua mitigação. É financiamento de indenização pelo risco de incapacidade laborativa.  Não uma nova forma de custeio da aposentadoria especial, como pretende a RFB.

E ainda, não se pode perder de vista que o processo de concessão do benefício previdenciário é um processo completamente distinto do processo administrativo fiscal, e que não conta com nenhuma participação ou intervenção da empresa. Dessa forma, o que propõe o referido Ato Declaratório é que um erro da Administração Pública em um processo do qual a empresa não participou tenha seus efeitos estendidos para um processo de constituição de um crédito tributário em seu desfavor. Nada mais absurdo.

A hipótese de incidência do referido adicional – repita-se – consiste na exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, o que precisa devidamente ser demonstrado pelo Fisco, não sendo suficiente para isso a mera comprovação de deferimento de benefício em processo que não possui natureza fiscal ou mesmo sua concessão em processo judicial.

Tal elemento constituí, na melhor das hipóteses, prova emprestada que deve ser devidamente submetida ao contraditório para que possa ter validade. Nesse sentido, o artigo 30 do Decreto nº 70.235/72 (que regulamenta o processo administrativo fiscal) dispõe expressamente que laudos ou pareceres de órgãos federais podem ser utilizados, salvo se comprovada a sua improcedência.

Na hipótese em apreço, diversamente do que está determinado no Decreto, prevalece a cobrança do adicional na hipótese de deferimento “ainda que haja adoção de medidas de proteção coletiva ou individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância”. Em outras palavras, busca fixar uma presunção absoluta de validade da prova emprestada. Nada mais ilegal.

O entendimento expresso no Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 02/2019 contraria ainda o artigo 232, § 2º, da IN RFB nº 2110/2022, que deixa claro que não será devida contribuição adicional quando houver a adoção de medidas de proteção que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância.

Conforme está consignado na primeira parte do artigo 1º do Ato Declaratório, verifica-se a hipótese em que foram adotadas as medidas necessárias para neutralização ou redução da exposição do trabalhador a níveis legais. Nesse caso, a única interpretação possível é a não ocorrência do fato gerador. Tudo que destoe dessa conclusão não passa de puro excesso de exação.

É essencial que as empresas se defendam dessa pretensão da RFB, de criar novo tributo por Ato Declaratório Interpretativo, sempre demonstrando que adotam as medidas eficientes para mitigar o risco ambiental do trabalho, observando o arcabouço normativo, cuja finalidade é proteger o trabalhador e não arranjar meios para custear os erros da Administração Pública na concessão da aposentadoria especial. 

Ana Paula Oriola de Raeffray – advogada, sócia do escritório Raeffray Brugioni. Doutora em Direito pela PUC-SP. Vice-presidente do Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar – IPCOM. Membro e Diretora Científica da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Membro Titular da Câmara de Recursos da Previdência Complementar – CRPC.

Franco Mauro Russo Brugioni – advogado, sócio do escritório Raeffray Brugioni. MBA em Gestão e Business Law pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Relator Vice-Presidente da Terceira Turma Disciplinar do Tribunal de Ética Disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo.

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