Ciclismo brasileiro sofre com falta de investimento e não tem atleta na elite

O ciclismo brasileiro tem pouca história no cenário europeu da modalidade. Eventos como a Volta da França, Giro d’Itália e Volta da Espanha são poucos frequentados por atletas do Brasil, que teve apenas dois competidores nas pistas de rua desde 1903, ano em que foi criada a famosa competição disputada em solo francês.

Nem o “boom” de adeptos do ciclismo não competitivo no País nos últimos anos motivou a participação nessas tradicionais provas. O último representante brasileiro numa competição de primeira escala na Europa foi Murilo Fischer, que completou a 70ª edição da Volta da Espanha na temporada de 2015. Ele é o único ciclista brasileiro a concluir as três provas das Grandes Voltas. Completou o evento na França em três oportunidades e a versão italiana quatro vezes.

Antes dele, apenas o ciclista Mauro Ribeiro fez história. Em 1991, além de fazer parte da equipe francesa RMO, venceu uma das etapas da Volta da França. O paranaense de 57 anos é o primeiro e único brasileiro a obter tal feito. O que falta então para que o esporte dê o próximo passo e comece a integrar o circuito europeu da modalidade com frequência?

Em entrevista ao site especializado RFI, Mauro Ribeiro comemorou o feito que conseguiu há 30 anos, mas também lamentou que ninguém veio depois dele para continuar a história do ciclismo nacional nas grandes provas. “A história é contada por aquilo que foi feito, mas também por aquilo que é continuado a ser feito”, lamentou o ex-ciclista.

Naquela época, o esporte começava a se globalizar, com australianos, colombianos e atletas de outras nacionalidades ganhando espaço em um ambiente previamente dominado por europeus. Além do crescente interesse do público brasileiro pelos eventos principais do ciclismo, Mauro Ribeiro crê que o País tem condições de desenvolver a modalidade.

Um país sul-americano que leva a sério o ciclismo europeu é a Colômbia. Mesmo passando por um período de violência nos anos 90, com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) dominando cerca de 40% do país, a Colômbia levou um atleta ao topo da Volta da França.

Em 2019, Egan Bernal, de 22 anos apenas, se tornou o primeiro latino-americano a vencer a prova fadada a ficar com os europeus. Outros dois colombianos integravam o top 10 na ocasião. Bernal, ao chegar na frente, afirmou que seu triunfo não era só dele, “mas de todo um país”.

Assim como os europeus, a nação sul-americana decidiu colocar grandes marcas por trás de times nacionais. E o fato de a Colômbia ter várias montanhas em sua formação geográfica contribuiu para o treinamento dos seus atletas de ciclismo, que subiram de nível. Aqui no Brasil, ainda há um longo caminho e muitas pedaladas antes de se pensar em vitórias. O primeiro passo é ter mais investimento.

Ribeiro aponta um cenário pessimista e não acredita na evolução da modalidade no País a curto prazo. “Atualmente, no Brasil, o ciclismo de alto rendimento ou de direcionamento para chegar ao alto rendimento ainda está muito longe de chegar aonde é necessário para entregar alguns atletas com capacitação e experiência. Infelizmente, ainda estamos distantes dos europeus, por exemplo. Então, vai levar algum tempo para credenciar algum brasileiro para entrar no Tour de France”, disse.

TREINAMENTO – Mas o que precisa fazer para ser um ciclista dessas corridas? É possível treinar individualmente, mas para competir, o ciclismo de estrada é feito em equipe. Cada membro do time tem uma função que precisa ser bem executada para alcançar a vitória. Há estratégias. Não é só pedalar. Conhecer a performance de cada integrante do time, os detalhes do percurso e o planejamento da prova é essencial para um bom desempenho.

Ao menos três membros precisam desempenhar um papel. O gregário é o apoio da equipe, o passista é o responsável por marcar o ritmo e o velocista é quem aparece no fim e se esforça ao máximo para vencer a competição. O líder ou o capitão é sempre o velocista. O resto do time deve garantir que ele se canse o menos possível para que, no fim, assuma a frente e vença os adversários no sprint final.

Todos os ciclistas presentes em um evento como a Volta da Espanha são ‘preparados’ para sentir um elevado nível de dor durante as provas. Os percursos exigem demais em termos de distância, duração, subidas e descidas. As pernas pesam. As costas podem doer. O perigo de se acidentar e as condições climáticas extremas também são fatores que influenciam no trabalho de um profissional.

Para estar apto a disputar uma prova de 3.500 km (de São Paulo a Manaus, a distância é de 3.971 km, por exemplo), um ciclista precisa em primeiro lugar ser capaz de treinar essa distância. Técnicos da equipe africana Dimension Data deram uma entrevista ao site da ESPN americana em 2017 detalhando as distâncias que um atleta deve percorrer, de acordo com sua idade. “A partir dos 18 anos, nossos ciclistas sub-23 começam treinando cerca de 1.800 km/mês e vamos aumentando com objetivo de que eles treinem 2.500 km/mês. Para correr no nível World Tour, é preciso que eles treinem em média de 2.500 km por mês”, informou à época.

Quando se considera as horas gastas, um jovem de 18 anos treina algo em torno de 60 horas por mês. O objetivo é que esse número aumente gradativamente para chegar entre 80 a 100 horas/mês para atletas da equipe World Tour. Ou seja, são cerca de 1.000 horas ou entre 28.000 e 32.000 km por ano.

INVESTIMENTO – Para ser profissional e chegar ao nível mais alto do ciclismo, um atleta não precisa apenas de um grande preparo físico, no entanto. Ele necessita de um grande investimento financeiro também. Geralmente, vai encontrar o dinheiro em uma empresa conhecida que deseja expor sua marca no uniforme usado pelo competidor, com a esperança de que o atleta apareça no pelotão de frente e mostre a marca na tevê.

Rafael Andriato, 8º lugar no Pan de Estrada deste ano, afirmou à ESPN em 2015 que, se o Brasil quisesse alcançar o topo, precisaria se espelhar nos colombianos. Ele apontou a criação da equipe Colômbia como um diferencial, pois é um time praticamente europeu, que segue o calendário do continente do outro lado do Atlântico. “Era disso que o Brasil precisava, mas não tem como nesse momento. Não temos dinheiro. Precisávamos de 15 ciclistas, carros, uniformes, staff, o que demanda uns R$ 7 milhões de investimento por temporada. Seria o único jeito de aparecermos no ciclismo mundial”, disse.

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