Amazônia vai desaparecer se não dialogarmos com Bolsonaro, diz Kerry

Maior autoridade para assuntos ligados ao clima do governo de Joe Biden, o ex-secretário de Estado americano John Kerry afirmou nesta quarta-feira, 12, em audiência no Congresso americano que o diálogo dos Estados Unidos com o governo do presidente Jair Bolsonaro é uma forma de evitar que a Amazônia “desapareça”. O “czar” do clima da Casa Branca voltou a demonstrar ceticismo sobre as promessas ambientais do atual governo brasileiro, mas defendeu as negociações com Brasília como a melhor alternativa na busca pela proteção da floresta e disse que é preciso “descobrir o que está acontecendo” na floresta amazônica.

Kerry foi questionado pelo deputado democrata Albio Sires sobre o fato de o Brasil ter cortado verba do meio ambiente após prometer ampliá-la durante a cúpula do clima organizada pelo governo Biden. “Um dia depois da promessa de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, o presidente Bolsonaro aprovou um corte de 24% no orçamento ambiental para 2021. Em que consiste a política americana para a Amazônia brasileira e como podemos abordar a consistente falta de recursos em regulações ambientais do atual governo do Brasil?”, perguntou o deputado.

“Eles dizem que estão comprometidos agora em aumentar o orçamento e que irão colocar de pé uma nova estrutura. Nós estamos dispostos a falar com eles, não com vendas nos olhos, e sim com um entendimento de onde já estivemos. Mas se não falarmos com eles é garantido que a floresta vai desaparecer”, disse Kerry. Segundo ele, os dois países estão tentando formatar uma estrutura que possibilite a verificação das metas e prestação de contas pelo governo brasileiro. “Promessas já foram feitas no passado”, disse o diplomata e enviado especial para o clima do governo Biden.

Questionado pela também democrata Susan Wild, deputada pela Pensilvânia, sobre o status das negociações com o Brasil, Kerry afirmou que espera ver as conversas com o governo brasileiro concretizadas. “Estamos no meio dessa negociação agora. Começamos há algumas semanas atrás. Tivemos algumas conversas boas e temos esperança de transformar a intenção em ação, que seja efetiva e verificável. Obviamente há desafios nisso e estamos cientes desses desafios”, disse Kerry. Segundo ele, é necessário criar uma estrutura de verificação do desmatamento que inspire confiança. “É nisso que estamos trabalhando”, disse.

Promessas e retrocessos

Um dia depois de o presidente Bolsonaro prometer a líderes de 40 países que iria dobrar os repasses públicos para as áreas de fiscalização ambiental, o governo federal anunciou um corte de R$ 240 milhões no orçamento geral dedicado Ministério do Meio Ambiente. Durante a cúpula internacional, Bolsonaro prometeu dobrar os recursos destinados à fiscalização ambiental, mas não detalhou valores ou datas. Kerry teve reunião virtual com Salles e com o chanceler, Carlos França, depois disso e questionou as autoridades brasileiras sobre o corte no orçamento. Os ministros de Bolsonaro prometeram que haveria uma recomposição no orçamento.

Aos parlamentares americanos, o czar do clima demonstrou preocupação com os níveis de desmatamento na Amazônia. “Cientistas nos dizem atualmente que o nível de corte da floresta é tão significativo que há a possibilidade de já termos atingido um ponto de inflexão na capacidade da floresta de continuar como uma floresta tropical”, disse Kerry. “Há uma semana saiu um artigo dizendo que a Amazônia está liberando mais carbono do que consome. Então, alguma coisa está acontecendo. Nós temos que descobrir. O resumo é: vamos nos empenhar (em negociações com o Brasil) para tentar descobrir o que é possível”, afirmou.

Ele prometeu ao parlamentar apresentar um relatório sobre a situação da Amazônia “nos próximos meses”, antes da Cúpula do Clima que acontecerá em novembro, em Glasgow. Kerry também foi cobrado pela deputada Susan Wild sobre o envolvimento de lideranças indígenas nas negociações entre os dois países. Ele disse que há consultas com representantes da região e comprometimento do governo Biden em ouvir os indígenas.

“Regime Bolsonaro”

No Congresso, Kerry elogiou a queda nos níveis de desmatamento no Brasil em governos passados, mas criticou retrocessos do governo Bolsonaro na política de fiscalização ambiental. “O Brasil foi muito bem entre 2004 e 2012 . Estavam progredindo e parando o desmatamento”, disse o americano, que mencionou que entre 2012 e 2020 o patamar de desmatamento atingiu picos. “Infelizmente, o ‘regime Bolsonaro’ reverteu algumas proteções ambientais. Tivemos essa conversa”, disse Kerry.

Ativistas que acompanharam a audiência notaram que em uma de suas falas Kerry chamou o governo brasileiro de “regime Bolsonaro”. Autoridades americanas costumam classificar como “regime” os governos autoritários, como o de Nicolás Maduro, na Venezuela, Daniel Ortega, na Nicarágua ou de Bashar Assad, na Síria. O termo não é usado com frequência pelos diplomatas americanos ou pela Casa Branca para se referir a presidentes que os EUA consideram que foram democraticamente eleitos, como Bolsonaro. O Estado perguntou ao Departamento de Estado sobre o termo usado por Kerry. O governo americano ainda não respondeu à reportagem.

Pressão diplomática

Desde a eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos, o governo Bolsonaro tem sido pressionado para controlar o desmatamento da Amazônia. Na campanha eleitoral, o democrata prometeu reunir o mundo, se preciso fosse, para pressionar o governo brasileiro pela preservação da floresta. Quando Biden assumiu a Casa Branca, o governo americano começou negociações com Brasília para que Bolsonaro assumisse metas climáticas mais ambiciosas e compromissos ambientais.

Na cúpula do clima realizada em abril, Bolsonaro moderou o tom do discurso político e prometeu, entre outras coisas, acabar com o desmatamento ilegal no País até 2030. Mas os americanos continuam a ver as promessas com desconfiança e cobram implementação com resultados ainda neste ano. A Casa Branca tem mandado recados ao Brasil de que o salto de qualidade na relação entre os dois países e a manutenção de parcerias atuais, como o apoio dos EUA à adesão do Brasil como membro da OCDE, dependem do sucesso das conversas ambientais.

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