A menina foi parar na TV e vai apitar em Tóquio; conheça a árbitra Andreia Regina

Com lágrimas escorrendo pelo rosto e na porta da casa no bairro da Barra Funda em que morava de favor após vir de Bauru para São Paulo há quase 20 anos, Andreia Regina afirmou: “Está vendo essa televisão aí? Um dia vocês vão me ver lá”. A frase, dita com um sentimento de incerteza após ser expulsa por não ter como arcar com R$ 150 de aluguel, se transformou em realidade.

Primeira mulher a ter a licença black da Federação Internacional de Basquete, que permite apitar qualquer partida da modalidade, ela foi escolhida pela Fiba entre os 30 árbitros que vão trabalhar nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em julho, e pode se tornar também a primeira árbitra a comandar um jogo pela chave masculina em sua estreia em uma Olimpíada.

A história de sucesso começa com uma jogadora sem habilidade, mas apaixonada pelo basquete. Os primeiros passos como árbitra foram em Bauru, em 1999. Em 2002, com 22 anos, Andreia decidiu se mudar para São Paulo para fazer o curso de arbitragem da Federação Paulista de Basketball e tentar transformar sua paixão em profissão.

As dificuldades foram imensas. Ela não tinha condições de bancar o aluguel de um lugar que fosse razoável para morar na capital. Mal tinha dinheiro para comer. Apitava os jogos dos campeonatos da Federação Universitária Paulista de Esportes por R$ 10. A opção foi morar de favor na casa de conhecidas da família, entre elas uma advogada. O sonho quase foi desfeito quando pediram o pagamento de R$ 150 para que ela continuasse debaixo daquele teto. O prazo era de uma semana.

“Eu ainda estava no curso, ganhava apenas R$ 10 por jogo na Fupe, ainda como estagiária. Eram três jogos no sábado, outro no domingo, e recebia apenas no final do mês”, relembra Andreia. “Tentei negociar, falei que podia ajudar na casa, fazer faxina, mas não deram nenhuma importância. Chegou o dia e, claro, não tinha o dinheiro.”

A cena que se seguiu foi quase como uma profecia. Andreia organizou os poucos pertences em sua mala e, chorando, pouco antes de ir embora, afirmou para aquela pessoa que lhe afastava do sonho que um dia estaria na televisão. “Ela deu uma gargalhada e falou: vai embora, menina, vai embora.”

A menina pensou em desistir. A força da família, principalmente da avó Izabel Lorato, não permitiu. Andreia continuou passando dificuldades. Com pouco dinheiro, ela trocava faxina por moradia e quase que diariamente vivia o dilema entre se alimentar ou pegar o ônibus para casa. “Lembro de um dia que fui apitar um campeonato e, quando acabou, eu estava com muita fome. Tinha apenas R$ 5 na carteira. Era pegar o ônibus ou comer. Comprei um churrasquinho grego, com aquele suco em copinho de plástico e, quando o ônibus passou, eu pedi ao cobrador se podia subir. Ele falou que se eu conseguisse passar por debaixo da catraca, tudo bem. Foi aquela humilhação, com todo mundo me olhando”, contou.

A situação se repetiu algumas vezes até tudo se acertar. Hoje, aos 41 anos, Andreia prefere não revelar o nome da tal advogada que quase interrompeu o seu sonho. Ela gosta de lembrar daqueles que fizeram o oposto: a ajudaram na longa caminhada que agora foi recompensada com sua indicação para apitar pela primeira vez nos Jogos Olímpicos (Guilherme Locatelli é o outro brasileiro da lista).

José Carlos Pelissari, que era o instrutor da Federação Paulista de Basketball, foi quem abriu as portas, dando oportunidade para Andreia apitar na Fupe e se manter do jeito que dava até o fim do curso. Geraldo Miguel Fontana, atualmente diretor de arbitragem na Fiba Américas, é considerado o mentor. “Tudo que sei na quadra eu devo ao Geraldo. Ele e o Pelissari são muito importantes na minha vida.”

Ela apitou em todas as categorias de base, depois o adulto, masculino e feminino, degrau por degrau. O desempenho em quadra fez de Andreia uma árbitra internacional em 2010. A licença black chegou oito anos depois. Foi a primeira mulher a recebê-la. Nos últimos anos, a brasileira foi escalada para os principais torneios do mundo, incluindo a decisão da Copa Intercontinental, entre o Quimsa, da Argentina, e San Pablo Burgos, da Espanha, em fevereiro deste ano, quando atuou como quarta árbitra.

“Estou feliz e focada. É muito gratificante ter o nome entre os 30 árbitros e também uma responsabilidade enorme. São quase 20 anos de preparação para chegar neste momento de estar em uma Olimpíada”, afirmou. “Apitar masculino ou feminino é consequência. Só o fato de o meu nome estar na lista dos Jogos Olímpicos é de uma grandeza inexplicável.”

Andreia será apenas a terceira árbitra brasileira de basquete em uma Olimpíada. Tatiana Steigerwald foi a Atenas-2004 e Fátima da Silva trabalhou em Pequim-2008. Preparada? Ela responde de bate-pronto: “Nenhum jogo, nenhuma situação de pressão, nenhuma final de campeonato, vai ser mais difícil do que as adversidades que enfrentei na minha vida”.

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