A agenda vazia do assessor Pazuello

Demitido em março do Ministério da Saúde após ter sua atuação na pandemia contestada, com direito a suspeitas de corrupção investigadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o general Eduardo Pazuello completou quatro meses em cargos de confiança ligados à Presidência da República com uma agenda esvaziada e função obscura.

O militar registrou ter se ocupado de “despachos internos” em 59 dias úteis desde que foi nomeado, em junho. Em outras 13 datas, a expressão utilizada foi “sem compromissos oficiais”, e por nove dias não prestou qualquer informação em sua agenda. Ou seja, em 81 dos 91 dias úteis que esteve no cargo, 89% do total, não é possível saber o que Pazuello fez no trabalho.

Um servidor que despacha diariamente no Palácio do Planalto, onde o general ocupa uma sala no 4.º andar, disse sob condição de anonimato não saber exatamente a função do ex-ministro, além de raramente o encontrar pelos corredores.

O jornal O Estado de S. Paulo pediu ao governo, via Lei de Acesso à Informação, o registro de entrada de Pazuello na sede do Executivo, mas teve a solicitação negada sob o argumento de que este tipo de dado é sigiloso.

A nomeação do general foi ordenada pelo presidente Jair Bolsonaro, numa tentativa de dar “blindagem política” ao ex-ministro, que além de alvo da CPI, responde a inquérito na Justiça Federal por suposta omissão durante o colapso da saúde em Manaus, no início deste ano.

Pazuello está abrigado na Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE), com salário de R$ 10.166,94 e carga horária de 40 horas semanais. Além disso, recebe R$ 32.375,16 por suas funções como general de divisão do Exército.

Como o teto atual de remuneração a servidores é de R$ 39.293,32, o contracheque do ex-ministro sofre um desconto mensal de R$ 3,248,78. Ainda tem à sua disposição um carro com motorista para se deslocar por Brasília, além de um quarto no hotel de trânsito das Forças Armadas, onde mora.

Por quatro meses, o militar ocupou o cargo de secretário na SAE, mas foi “promovido” na sexta-feira passada a assessor especial, diretamente subordinado ao comandante da pasta, almirante Flávio Rocha.

Segundo o órgão, a mudança foi apenas uma reformulação no organograma interno e não alterou “em nada” a função dele. Questionada qual seria essa função, a secretaria não informou.

Dois parlamentares da base do governo no Senado disseram à reportagem que Pazuello, já lotado no Planalto, participou de reuniões para definir a estratégia de defesa do governo na CPI da Covid. Os encontros também não foram registrados na agenda do general.

Em consulta à Imprensa Nacional, a reportagem não encontrou qualquer referência à atuação de Pazuello na SAE. O nome de general poderia constar do Diário Oficial da União, por exemplo, caso ele tivesse sido designado a algum grupo de trabalho da secretaria, o que não ocorreu.

Viagens

Além dos “despachos internos” ou dias sem qualquer compromisso, a agenda de Pazuello registra que ele viajou seis vezes a trabalho, com passagens aéreas pagas com dinheiro público e direito a diárias. Duas delas foram para Manaus, onde vive parte de sua família. O motivo das visitas, uma em julho e outra em agosto, não foi informado.

Em três ocasiões os deslocamentos foram para acompanhar Bolsonaro em alguma solenidade, como no dia 27 de agosto, quando foi a Goiânia (GO) para assistir a passagem de Comando das Operações Especiais. Por esta viagem, ele recebeu R$ 364 de diária, segundo registra o Portal da Transparência do governo. Também viajou a Roraima e ao Rio de Janeiro para ficar ao lado do presidente.

A reportagem questiona há quase um mês a assessoria de imprensa da SAE e a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) sobre o papel de Pazuello no governo. A única resposta, porém, foi a que confirmou a reestruturação no organograma da pasta.

No artigo 37, a Constituição determina que a administração pública deve obedecer o princípio da publicidade de seus atos. Além disso, de acordo com orientações do Ministério da Fazenda, servidores registrados em cargos de confiança – como Pazuello – devem fazer o registro diário de seus compromissos públicos, realizados de forma presencial ou não. “Quando houver questões de sigilo, deve-se apontar que informação é sigilosa e dar publicidade à parte não sigilosa”, orienta a pasta.

Procurado também diretamente no telefone que usava quando era ministro, Pazuello não respondeu. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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